Le Havre era o primeiro filme de uma trilogia dedicada a cidades portuárias, que Aki Kaurismaki aparentemente não irá terminar porque anunciou entretanto a sua reforma. Ficámos, pelo menos até ver, com O Outro Lado da Esperança, em Helsínquia, na sua Finlândia natal, e com este Le Havre, na cidade francesa homónima.
Mas não é apenas o facto de se passar em cidades portuárias a única coisa em comum nestes dois filmes. Ambos abordam também a crise de refugiados, os problemas de inclusão e integração e os discursos de ódio (uma crise que é, na verdade, humanista e de valores). O curioso, sem ter piada nenhuma, é que Le Havre foi feito em 2011, bem antes da escalada que se verificou em 2015.
Numa característica muito sua, Kaurismaki estabelece uma ponto com o seu corpo de obra ao convocar uma personagem de um dos seus filmes antigos. Marcel Marx (André Wilms) era um dos boémios de A Vida de Boémia, mas agora assentou (ou tentou o melhor que pôde) e tenta manter uma vida digna e trabalhadora, enquanto engraxador de rua, sustentando a sua amada esposa (Elina Salo) com o pouco que ganha. É uma vida espartana, mas honrada.
Não é por conhecermos já o protagonista de Le Havre que faz com que estejamos nos domínios da kaurismakilandia. Tudo no filme pertence a esse seu universo muito particular, feito de excluídos da sociedade, que compensam o pouco dinheiro nos bolsos com um carácter à prova de bala e bons corações. São, portanto, dois os desafios que Marcel Marx vai ter que ultrapassar: a doença da mulher, que fica internada; e ajudar o jovem refugiado Idrissa (Blondin Miguel) a não ser descoberto pela polícia e a dar o salto para o Reino Unido, onde vive a mãe.
É um filme bem-esperançado, com uma mensagem positiva, que segue a tradição mais nobre de Charlot ou do senhor Hulot. Mas não é só pelo cinema de bom coração que nos lembramos desses dois ícones do cinema muda; é também pela forma de filmar de Kaurismaki, seca, muito seca, com algo de quase artesanal, que fazem dele o mais europeu dos realizadores europeus vivos (ou então, simplesmente, o Jim Jarmusch finlandês). E há, claro, a fotografia de Timo Salminen, uma imagem de marca imprescindível da kaurismakilandia, que filma exteriores como se fossem interiores, com a luz recortada e cenários que parecem de cartão.
Sem ser uma comédia – ou, pelo menos, no estrito sentido do termo -, Le Havre é um filme que nos faz sentir bem. E, mesmo que o tema não seja o melhor, ajuda-nos a restaurar um pouquinho de fé na humanidade. Se isso não é o suficiente para justificar um McBacon então não sei o que será,
Título: Le Havre
Realizador: Aki Kaurismaki
Ano: 2011