O jornalista e estrela do Facebook, Miguel Somsen, escreveu em relação a Variações que, se o filme fosse sobre o Cristiano Ronaldo, este seria sobre a sua infância na Madeira e depois saltaria para a sua morte, deixando de fora toda a sua carreira no Manchester, no Real e na Juventudes, as Bolas de Ouro e as conquistas desportivas. De facto, Variações não é um biopic tradicional sobre António Variações, já que deixa de fora o seu período de maior fama e reconhecimento, assim como episódios mais ou menos conhecidos, como a ida ao Passeio dos Alegres ou o porquê do nome artístico de Variações.
Se à primeira vista isso pode parecer uma opção duvidosa (para não dizer parva), pensando bem no assunto é uma decisão bem corajosa. Especialmente quando comparado com outros biopics portugueses sobre estrelas da música nacionais (sim, estou a pensar no Amália – O Filme; existem outros?), que se limitam a compilar episódios conhecidos da vida dos artistas. Variações tem ideias de cinema dentro, com personagens a sério e não ideias de personagens que vemos na televisão ou ouvimos na rádio.
Só isso é meio caminho para gostarmos de Variações. O realizador João Maia explicou que não quis estar recontar pela milésima vez histórias que todos já ouvimos até à exaustão. E quem não conhece esses episódios da vida de António Variações porque esteve a viver dentro duma gruta (ou porque é demasiado novo), o que fica é a história de um artista demasiado à frente do seu tempo, inovador num país ainda a preto e branco acabado de sair de uma ditadura longa e com um forte espírito de preserverança.
Isso é outro ponto a favor de Variações. Normalmente, quando falamos de biopics, os artistas são sempre Homens predestinados a destinos gloriosos, tocados por Deus por dons divinos, quase como Midas que, mesmo sem quererem, criam arte bela para a Humanidade sem esforço. Como se alguém conseguisse ter sucesso sem muito trabalho e esforço e dedicação. E é isso que Variações mostra: um cantor que, ao que consta, não tinha propriamente jeito para manter o tempo nem a afinação, mas que compensava em dedicação. Talvez o mais perto que haja deste espírito seja Whiplash – Nos Limites, um filme sobre música enquanto trabalho e esforço e não enquanto inspiração e devoção.
E depois há ainda Sérgio Praia, que encarna António Variações de forma assombrosa, como se fosse uma reencarnação do próprio. Basta ver as fotos para ficarmos arrepiados com as semelhanças, mas a sua interpretação não se fica por aí. Sérgio Praia é mesmo António Variações e nunca é apenas um actor a fazer de Variações, o que até seria uma tentação fácil de acontecer, tendo em conta a quantidade de looks excêntricos do cantor de Amares. Isso serve para compensar todo o resto do elenco, que fica sempre um patamar abaixo, com excepção a Filipe Duarte. Já José Raposo enganou-se claramente no filme e parece estar a fazer um boneco numa revista qualquer no Parque Mayer.
Com tanto louvor, quer dizer que Variações é um filme incrível e perfeito, não é? Não! Variações até é algo desequilibrado, com algumas dificuldades em ligar determinadas personagens (a relação de António Variações com a sua banda inicial, por exemplo) ou a dar saltos demasiado grandes, especialmente no segundo acto. Mas a sua coragem e dedicação fazem do filme o mesmo que Variações fez da sua música: ultrapassam as limitações e dão-lhe espírito. E, como toda a gente sabe, a dedicação é sempre mais importante do que o virtuosismo técnico. Os Ramones que o digam, não é Dream Theater? Agora vou buscar um McBacon para comer enquanto leio com desinteresse as vossas reacções indignadas com o meu desprezo por proa-rock.
Título: Variações
Realizador: João Maia
Ano: 2019