O estereótipo do português para os brasileiros é um homem de bigode, chamado Manuel, dono de uma padaria. António Fonseca não falha um desses clichés em A Vida Invisível.
A Vida Invisível é um melodrama de grande fôlego, que se desenrola em redor das duas filhas deste senhor Manuel. A mais velha, Guida (Julia Stockler), sai uma noite à socapa para ir dançar e já não regressa; segue logo directa para a Grécia, com o novo namorado marinheiro, onde irá casar, descasar e regressar com um filho na barriga. Quanto à mais nova, Eurídice (Carol Duarte), tem o sonho de ir para o conservatório em Viena, mas um casamento e um filho cedo não parecem conciliar com esses planos.
É um épico feminista, para lutar contra o patriarcado. Apesar de ser um filme de época, os anos 50 não são assim tão diferentes da actualidade. E nem sequer há aqui uma crítica subversiva ao governo Bolsonaro. Os problemas com que estas mulheres vão lutar têm a ver com o papel social que é construído e esperado para a mulher, que tanto era actual há maio século atrás como hoje em dia.
O realizador Karim Ainouz tem ao seu dispor a tradição exemplar da telenovela brasileira e, talvez por isso, tudo parece feito sem grande esforço, como se acontece naturalmente. Apesar da tragédia anunciada, nunca há lamechiche e, muito menos, qualquer miserabilismo. A Vida Invisível até pode ir buscar os códigos do género a Douglas Sirk, mas dá-lhe 15 a zero.
Filme feminino com duas actrizes em grande forma (e umas delas, na última fase do filme, há de se tornar na Fernanda Montenegro, o que também tem um certo significado feminista), A Vida Invisível tem ainda uma terceira personagem que é fundamental para o sucesso do filme. È a própria floresta tropical do Rio de Janeiro, que tem quase espessura e presença física, seja no suor sempre presente nos pescoços e nas testas, seja nas plantas que invadem o enquadramento ou seja na fotografia do Rio, filmado como poucas vezes o vemos, sem nada a ver com o habitual postal de férias.
A Vida Invisível é um filme avassalador, que parte do passado para reflectir sobre o presente e projectar o futuro. Foi premiado em Cannes e daqui sacou o Le Big Mac, apesar das batatas fritas virem moles. É da humidade toda…
Título: A Vida Invisível
Realizador: Karim Ainouz
Ano: 2019
Pingback: | LISTAS | Os Melhores Filmes de 2020 | Royale With Cheese