The Assistant é um filme que deveria ser visto obrigatoriamente por: todos os empregadores que tratam os seus empregados por colaboradores; todos os empreendedores que têm start-ups, fazem outsourcing, apelam ao team spirit e não podem passar sem outros termos em estrangeiro para os quais existe uma palavra válida em português; todos os que vão ao Web Summit e o saúdam como a melhor cena desde a invenção do pão fatiado; e todos aqueles que acham que quem é pobre é porque não se esforçou o suficiente.
Jane (Julia Garner) está a trabalhar há pouco tempo numa produtora cinematográfica e é praticamente um pau para toda a obra. É a primeira a chegar e a última a sair; as suas tarefas são tão vastas desde tratar da vida pessoal do seu chefe até limpar-lhe o escritório; é uma empregada valorosa da empresa, mas são raros os que sabem o seu nome; e, apesar de nunca o dizerem, apostamos que é mal paga. Mas fa-lo porque é uma oportunidade para ser, ela própria, uma produtora no futuro. Ou, pelo menos, assim se tenta convencer.
Jane está há poucos meses naquela produtora, mas a realidade já chocou de frente com ela. Será que aquele emprego é mesmo uma oportunidade para um futuro melhor (como o chefe lhe diz sempre depois de a insultar e a tratar abaixo de cão) ou é mesmo um beco sem saída como aparenta ser na maior parte das vezes? Será que vale a pena não dormir à noite em luta com a consciência por passar o dia a mentir à mulher do chefe e a esconder as suas saídas com as estagiárias que vai contratando a metro? E será que o dinheiro é mesmo o mais importante da vida?
The Assistant é ainda um documento importante em alturas de manifesto #metoo (até porque aquele escritório tem Miramax (e, consequentemente, Weinstein) escrito por todo o lado e o chefe, apesar de omnipresente, nunca aparece: ou é uma voz no intercomunicador ou é um vulto que passa pelo canto do olho ou é uma ausência imprevista na reunião das 15h, porque aparentemente foi dar uma lengada ao hotel). E para todos aqueles que têm dificuldade em entender porque é que as mulheres não denunciam logo os casos e que, por não o fazerem, só pode significar que são aproveitadoras, assim como todos aqueles que, perante uma acusação de assédio, a primeira reacção é a de defender o homem, este devia também ser um filme obrigatório. A cena em que Jane vai aos recursos humanos e que sai de lá a sentir-se pior do que quando entrou é tão certeira quanto assustadora. Mais assustadora do que qualquer filme de terror.
O problema de The Assistant é que ninguém o vai ver. E nem é por causa do covid-19 que fechou as salas de cinema todas do mundo. É porque The Assistant tem o ritmo enfadonho do trabalho de Jane. Rodado quase em tempo real, segue a assistente a tirar fotocópias, a preparar café, a distribuir garrafas de água, a fazer telefonemas, a encomendar o almoço e a cumprir mais uma série de tarefas tão aborrecidas quanto parece. A realizadora Kitty Green embrenha-nos neste mundo e retira de vez todo o charme que o empreendedorismo tenta recuperar desesperadamente para o capitalismo. É um óptimo McBacon, mas serão muito poucos os que o vão provar. É uma pena.
Título: The Assistant
Realizador: Kitty Green
Ano: 2019