O sul dos Estados Unidos sempre foi muito temente a Deus, até pelas enormes privações que tradicionalmente sempre enfrentou. Mas agora, em Sempre o Diabo, o realizador Antonio Campos parece querer dizer hei, plot twist, estão preparados? Tudo isso foi sempre obra do Diabo e das suas malvadas tentações.
Campos chega assim ao Netflix com o seu título mais ambicioso, uma espécie de filme-coral, onde várias histórias e personagens se cruzam e entrecruzam como se este estivesse a querer dizer-nos algo sobre o destino. Por isso, Sempre o Diabo não respeita a cem por cento uma narrativa linear convencional, até porque Antonio Campos nunca gostou propriamente disso (vide os seus filmes anteriores). Felizmente, há um narrador (o próprio Donald Ray Pollock, autor do livro no qual o filme se baseia) que ajuda a pôr ordem na casa.
Pode-se dizer que Tom Holland é o protagonista de um filme que não tem propriamente protagonistas. Ele é simultaneamente vítima das circunstâncias, do tal destino e das tentações maléficas que levam os homens a cometer brutalidades, um órfão que acaba ele próprio por se tornar numa vítima dessa violência que é uma marca dos homens dos Estados Unidos sulistas. Sejam eles o novo reverendo que chega lá ao vilarejo e, usando o seu bem-falar e a sua aparência jovem, aproveita-se das moças da terra (um Robert Pattinson a tornar-se cada vez mais actor), um casal de peeping toms que atraem jovens à boleia para assassinarem enquanto tiram fotos (Jason Clarke e Riley Keough) ou um polícia-marionete nas mãos do gangster local (Sebastian Stan).
Sempre o Diabo vai beber à mesma fonte em que bebeu Nick Cave para escrever E o Burro viu o Anjo (a desumanidade do ser humano para com o próximo e uma espécie de fatalidade bíblica), demora-se naqueles temas e ambientes em que os irmãos Coen tornaram seus e acaba por criar algo com uma identidade muito própria dentro do southern gothic. Campos nunca se apressa, mantém sempre o mesmo tom coloquial e vai filmando tudo com grande elegância, como se não fosse nada com ele. É certo que no final ficamos com um certo sabor a inconsequência na boca, mas Sempre o Diabo é um serão bem passado de violência, desumanidade, brutalidade e degeneração. Temas que justificam sempre um belo dum McChicken.
Título: The Devil All The Way
Realizador: Antonio Campos
Ano: 2020