Foi em 2014 que ouvimos o primeiro caso de uma família portuguesa emigrada no Reino Unido a quem a Segurança Social havia retirado os filhos de forma abusiva. Logo a seguir choveram mais relatos de casos semelhantes e igualmente suspeitos. Seis anos depois, Listen, da portuguesa Ana Rocha de Sousa, vem retratar esse sistema, mas sem querer ser um biopic ou uma adaptação específica de um caso real. Sim, a família em causa é portuguesa, mas a nacionalidade não é para aqui importante.
Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Rúben Garcia) têm três filhos – uma bebé, uma menina surda e um rapaz pré-adolescente – e vivem no Reino Unido, numa situação precária. O trabalho feito sem contrato e os pagamentos tardam a chegar, o que os deixa de mãos atadas. As necessidades são muitas e têm que ser supridas de acordo com as prioridades mais urgentes. Por isso, quando Lu (Maisie Sly) chega ao infantário com o aparelho de audição partido e umas estranhas nódoas negras nas costas, o alarme soa e, em menos de nada, os agentes da Segurança Social estão lá em casa para lhes levarem os filhos.
De repente, Bela e Jota entram num sistema quase kafkiano, que olha para as famílias de forma indiferenciada. É um sistema burocrático sem qualquer vestígio de humanidade, contra o qual vão ter que lutar com as suas armas frágeis, ainda mais fragilizadas pela precariedade. Felizmente encontram um aliado de peso: uma associação que luta pelos direitos destes pais, que são o elo mais fraco desta lei autoritária.
Listen é um drama de denúncia e, tanto por isso, como também pelo facto de ser filmado no Reino Unido, lembra inevitavelmente o realismo britânico de prestígio de um Ken Loach. No entanto, a referência mais óbvia da realizadora Ana Rocha de Sousa é o cinema de Hirokazu Koreeda, que se alimenta dos silêncios, dos vazios e dos pormenores circunstanciais. Contudo, Listen sofre daquele típico mal de primeiro filme, em que os realizadores não resistem à tentação de experimentar várias ideias diferentes.
Também pela sua natureza de caso da vida, Listen resvala por vezes para o miserabilismo mais sensacionalista, mas Ana Rocha de Sousa tem sempre o condão de se aperceber disso rapidamente e de retirar logo a roda da valeta, realinhando-se com o centro da estrada. Isso faz com que Listen passe por uns solavancos, mas que seja, em geral, um McChicken sólido, que justifica de certa forma os prémios que arrecadou em Veneza. E as cenas mais duras, em que o casal choca de frente com o sistema e são os filhos que sofrem os danos colaterais, são particularmente angustiantes e não aconselháveis a quem tenha sido recentemente pai.
Título: Listen
Realizador: Ana Rocha de Sousa
Ano: 2020