Depois de vários tiros ao lado e mais uns quantos de pólvora seca, a DC Comics lá conseguiu acertar um (ok, foram dois, se bem que não entendo o êxito de Aquaman… que filme mais idiota). Por isso, apressou-se a encomendar uma sequela de Mulher-Maravilha o mais rápido possível e manteve a realizadora Patty Jenkins porque em equipa que se ganha não se mexe.
Uma das vantagens de uma heroína como a Mulher-Maravilha, que como é imortal lhe permite atravessar qualquer realidade temporal, é poder ambientar cada filme a uma década distinta. Assim, depois do primeiro ter sido um war movie ambientado na Primeira Grande Guerra, o novo Mulher-Maravilha 1984 salta para os eigthies, para cavalgar a onda de nostalgia que continua a facturar, de Stranger Things a… Jacuzzi – O Desastre do Tempo.
Assim, depois de um prólogo inicial que é a festa do CGI – e que remonta à infância da Mulher-Maravilha, ou seja, Diana, na sua Temiscira natal -, Mulher-Maravilha 1984 abre com uma injecção de nostalgia em cheio no coração. Estão a ver a cena do Pulp Fiction em que John Travolta espeta uma injecção de adrenalina no peito da Uma Thurman? Mulher-Maravilha 1984 faz exactamente o mesmo connosco, mas com nostalgia em vez de adrenalina. Num centro comercial à pinha – esse símbolo do imperialismo ocidental, capitalista e liberal, dos anos 80 -, quatro bandidos assaltam uma ourivesaria e são detidos pela nossa heroína. Há humor tongue-in-cheak, um certo savoir faire em dar pancada nos meliantes e todo um sentimento de maravilhamento que nos faz lembrar a primeira vez que vimos o Super-Homem, em 1978. Muitos comparam Gal Gadot a Christopher Reeves e esta cena prova-o: é ela quem usa o fato e não o fato que a usa a ela.
E depois… os anos 80 hão de ser arrumados na gaveta para nunca mais voltarem. Há de haver uma altura em que Chris Pine, o namorado da Mulher-Maravilha, regressará do passado e terá o seu momento de peixe fora de água e choque com a realidade, mas é apenas uma excepção que passa rápido. Tudo o resto é o habitual número do blockbuster de acção actual, com muito CGI, fogo-de-artifício e buracos de argumento, com aviões a jacto com o depósito cheio que vão e voltam do Egipto em um dia ou crianças a jogar à bola no meio de uma auto-estrada no deserto do Saara(!).
O vilão é Maxwell Lord (óptimo Pedro Pascal, o melhor do filme, num registo cartunesco, que podia muito bem pertencer ao universo Batman de Tim Burton), um tipo que cria um esquema em pirâmide para sacar guita com a prospecção de petróleo, mas que acaba por correr mal. No entanto, um artefacto antigo há de o tornar todo-poderoso: tudo o que desejar, realizar-se-á. De repente, o mundo como o conhecemos termina e Max Lord torna-se praticamente invencível. Mas Mulher-Maravilha há de o derrotar… com um discurso emotivo. True story!
Há também ainda Kristen Wiig, que começa por se tornar em bff de Gal Gadot e terminará como a sua grande rival Cheetah, num processo de transformação que vai de tímida e desajeitada a bitch e badass. Faz lembrar a transformação de Sigourney Weaver em Os Caça-Fantasmas ou de Michelle Pfeiffer em Batman Regressa, mas fazendo questão de pisar todos os clichés. No final, hão de lutar em mais uma luta mano-a-mano cheia de CGI duvidoso. Depois de Mulher-Maravilha ter sido um war movie com alguma piada, Mulher-Maravilha 1984 perde qualquer pinga de identidade e personalidade própria e transforma-se no blockbuster de super-heróis genérico #271. Uma lástima de Happy Meal.
Título: Wonder Woman 1984
Realizador: Patty Jenkins
Ano: 2020