| LISTA | Os 10 melhores filmes (de Leste que vi em) 2020 da Rita Braga

Entre Março e Abril de 2020, durante o período de confinamento mais extremo, juntei uma rica coleção de filmes do leste Europeu – principamente da Polónia e ex-Checoslováquia (todos disponíveis neste site). Muitos segui por recomendação, outros tantos escolhi de forma mais ou menos aleatória e houve descobertas surpreendentes – sobretudo dentro dos géneros “comédia” e “ficção científica” ou “fantasia” que, no contexto das suas ditaduras comunistas, muitas vezes se entrelaçavam com o fim de satirizar o sistema político e a sociedade e de contornar a censura (como é o caso em ambos os filmes que escolhi do Juliusz Machulski ou do Piotrz Szulkin). Esta é a minha lista, sem ordem específica.

The Very Late Afternoon of a Faun, de Věra Chytilová (Checoslováquia, 1983)

Mais conhecida pelo seu filme de culto, Daisies, Věra Chytilová foi uma das poucas mulheres realizadoras do período da Nova Vaga Checa (e impedida de trabalhar no seu país durante oito anos após a invasão da União Soviética, em 1968). Esta é um sátira com uma visão feminista acerca de um “fauno” narcisista de meia-idade, que se tem em conta como um sedutor de mulheres irresistível. O trabalho de câmara é tão delirante quanto o personagem.

Who Wants to Kill Jessie?, de Václav Vorlícek (Checoslováquia, 1966)

Um casal de cientistas inventa uma máquina que transporta objetos do mundo dos sonhos para a realidade, o que faz com que acidentalmente a protagonista sexy de uma série de BD, Jessie, com quem ele fantasia, venha parar ao mundo real – juntamente com os vilões da estória. As falas das personagens do mundo dos quadradinhos aparecem somente em balões, e os efeitos sonoros são fantásticos.

Happy End, de Oldrich Lipský (Checoslováquia, 1966)

A estória de um assassino condenado à morte narrada pelo próprio de trás para a frente, em que o momento em que é executado passa a ser o seu nascimento, e por aí em diante. Entretenimento que requer motivação anti-preguiça para acompanhar a lógica invertida que atravessa todo o filme.

I Killed Einstein, Gentleman, de Oldrich Lipský (Checoslováquia, 1969)

Como consequência de uma explosão de uma bomba atómica, as mulheres do futuro têm longas barbas, não podem ter filhos, e decidem viajar no tempo até ao início do século XX com o objetivo de assassinarem Einstein – o principal responsável devido às suas descobertas atómicas revolucionárias – de forma a alterarem o seu presente.

Kingsize, de Juliusz Machulski (Polónia, 1988)

Existe o mundo dos humanos, que são livres, e o mundo dos anões/gnomos, que vivem dentro de gavetas num escritório abandonado. Nesse mundo “liliputiano”, uma pequena percentagem de dissidentes luta pela fórmula certa para obter o “kingsize” e passar a pertencer à escala dos humanos. As vozes dos gnomos são modificadas e soam excessivamente agudas, o que dá um efeito extra cómico, e o set conta com objetos construídos em larga escala para se adequarem à proporção dos seres em miniatura. O filme é de tal forma um clássico no seu país de origem, que consta que muitos sabem todas as deixas de cor.

Sexmission, de Juliusz Machulski (Polónia, 1984)

Dois cientistas são eleitos como cobaias numa experiência de hibernação por congelamento que deveria durar apenas três anos, mas acordam cinquenta anos depois num mundo pós-apocalíptico e pós-terceira guerra mundial, no qual são agora os únicos espécimes vivos do sexo masculino. A sociedade subterrânea futurista em que se encontram tem algumas reminiscências da “Alegoria da Caverna” de Platão.

Ga-Ga Glory To The Heroes, de Piotr Szulkin (Polónia, 1986)

Mais ficção científica distópica, com humor negro q.b. Um prisioneiro da Terra é enviado para outro planeta, onde é recebido como um “herói”, mas não a pouco custo, numa sociedade que leva ao extremo os conceitos de crime e punição com ênfase no mediatismo, de forma fabricada e desumana.

Innocent Sorcerers, de Andrzej Wajda (Polónia, 1960)

Provavelmente um dos filmes mais light, mas não menos sofisticado do gigante Andrzej Wajda, que apenas dois anos antes tinha terminado a sua trilogia de guerra com Ashes and Diamonds (eleito como um dos filmes preferidos de sempre de Martin Scorcese e de Francis Ford Coppola). Esta é a estória de um one night stand, realizado muito ao estilo da Nouvelle Vague francesa. A banda sonora de Krzystof Komeda é tão swingante quanto o filme (Komeda musicou vários filmes do Polanski e é autor de discos de jazz fabulosos) e o próprio faz uma pequena aparição enquanto ele mesmo.

The Big Animal, de Jerzy Stuhr (Polónia, 2000)

Por coincidência ou não, vi três filmes seguidos com o ator Jerzy Stuhr, um rosto que rapidamente se tornou familiar e, ao pesquisá-lo, dei com este que ele próprio realizou e também protagonizou, com argumento de Krzysztof Kieślowski e em homenagem póstuma ao mesmo. Em The Big Animal um camelo é abandonado por um circo itinerante numa aldeia algures na Polónia, e o animal encontra o seu caminho até ao quintal de um casal de meia idade. O marido decide adotá-lo enquanto seu querido animal de estimação, o que começa aos poucos a criar situações problemáticas na pequena comunidade. Embora estreado treze anos após o fim da ditadura, mais uma vez adivinha-se uma crítica a uma sociedade conservadora através do uso de uma alegoria e de uma dose de absurdo.

The Hourglass Sanatorium, de Wojcieh Has (Polónia, 1973)

Baseado numa história de Bruno Schultz, a cinematografia e toda a sequência onírica deste filme é tão exímia e repleta de detalhes que nos transporta mesmo para uma outra realidade. Um viajante de comboio chega a um hospício para visitar o pai, que se encontra em final de vida, mas todo o ambiente – desde a viagem ao local de chegada, em ruínas – é repleto de personagens e situações delirantes que se misturam com fantasmas do passado histórico do país e da vida do personagem.

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