O Planeta Selvagem é uma daquelas animações que servem para desmistificar uma série de ideias erradas pré-concebidas. Ou seja, serve para todos aqueles que
a) acham que os desenhos-animados são coisas para crianças;
b) pensam que a animação é só a Disney (ou, em última instância, o Miyazaki);
e c) acreditam que, com a animação digital, os desenhos-animados tradicionais já não têm nada a dizer.
A história de O Planeta Selvagem é a de um povo de gigantes humanóides de um planeta longínquo – os Traags – que utilizam os humanos locais como animais de estimação (num processo de maravilhamento semelhante ao dos macacos que encontram os humanos em O Homem Que Veio do Futuro). O filme segue, em off, um desses homens – ou Omm – que se emancipa, se junta aos selvagens e acaba por liderar uma rebelião. Ao mesmo tempo, vamos descobrindo como vivem os Traags, numa democracia mais ou menos participativa, mas com demasiado tempo livre dedicado à meditação, à cosmologia e outras tretas new-age.
O filme é, assumidamente, uma metáfora à ocupação russa da Checoslováquia, mas a sua temática é muito mais importante que isso. Até porque continua a ecoar tremendamente actual e a rimar com o hoje, dando ainda lições a muito boa gente, já que todos se identificam com os oprimidos – não estão em causa nacionalidades ou raças, mas sim espécies. Por isso, O Planeta Selvagem é um filme sobre tolerância, democracia, igualdade e respeito pelos direitos humanos.
Depois, O Planeta Selvagem dá ainda um bigode a muitos filmes futuristas, criando um mundo totalmente novo, com laivos de fábula e surrealismo. René Laloux cria de raiz um mundo totalmente novo, qual Terra Média, demorando-se em mostrar exemplos de flora e fauna local, com um olhar naturalista. Por isso, O Planeta Selvagem continua a ser um mostruário de influências do género, seja no cinema, na banda-desenha ou mesmo nos RPGs (alguém mencionou a saga Final Phantasy?).
O Planeta Selvagem está um passo à frente do seu tempo, até na banda-sonora de Alain Goraguer, um misto de free-jazz, Kraftwerk, prog-rock e electrónica. Só é pena o final abrupto, em que parece que Laloux se apercebeu repentinamente de que tinha de entregar o filme no dia seguinte. A única mancha deste McRoyal Deluxe de culto.
Título: La Planète Sauvage
Realizador: René Laloux
Ano: 1973