No pós-11 de Setembro, pressionados em encontrarem culpados, o Governo norte-americano arrecadou uma série de muçulmanos e prendeu-os em Guantánamo, a recém-criada prisão especial na ilha cubana, onde ficaram encarcerados anos a fio, sem qualquer acusação e sujeitos a torturas várias. Foi graças ao testemunho de Mohamedou Ould Slahi, um mauritano que os americanos acreditavam ter sido o principal recrutador da Al-Qaeda para o atentado, que o que estava a acontecer naquela prisão de alta segurança chegou à opinião pública, numa vergonhosa violação dos direitos humanos. Land of the free, pois sim, está visto…
O caso chega agora ao cinema, com Tahar Rahim a regressar à prisão para vestir a pele de Slahi (ele que se deu a conhecer nesse filme de prisão épico que é Um Profeta). Ele é o mauritano do título, uma das pontas do triângulo que compõe a trama do filme. Os outros vértices são Jodie Foster (cada vez mais rara e que, por isso, nos dá cada vez mais gosto vê-la), a advogada activista que deu voz a Slahi (e, basicamente, a todas as violações que estavam a acontecer em Guantánamo), e Benedict Cumberbatch (num registo mais duro do que aquele que estamos habituados), na pele do advogado de acusação nomeado pelo exército norte-americano.
Baseado nos filmes políticos dos anos 70 (de Costa-Gavras a Pakula), O Mauritano é um filme-denúncia, que se passa na fase pré-tribunal, com toda a burocracia que isso pressupõe. É, por isso, um filme palavroso, construído na tensão das pesquisas dos dois advogados e no choque entre eles, mas é nisto que o realizador Kevin Macdonald é melhor, ensaiando uma reflexão sobre a culpa, os direitos humanos e a fronteira entre ambos. É que o que se passa nos bastidores do caso de Mohamedou Ould Slahi é também uma luta ideológica, em que Jodie Foster representa a esquerda democrata, progressista, activista e humanista, enquanto que Benedict Cumberbatch simboliza a direita republicana, conservadora, autoritária e cristã.
É quando Kevin Macdonald decide humanizar a personagem do mauritano que o filme perde inesperadamente a sua força. O realizador já o tinha ameaçado, com um par de flashbacks que construíam o passado de Slahi com as ferramentas do melodrama mais pastelão, mas é no último terço, em que reconstrói as torturas que sofreu como se fosse uma experiência imersiva que entramos noutro filme, com muito menos interesse. Quando, já nos créditos finais, entram as imagens reais do verdadeiro Slahi, o que vemos já não é O Mauritano, mas apenas um simulacro de O Mauritano. E tudo o que o filme tinha construído até então fica lá atrás, no McChicken do filme político.
Título: The Mauritanian
Realizador: Kevin Macdonald
Ano: 2021