Em O Homem Duplicado, a adaptação que Denis Villeneuve fez do livro homónimo de José Saramago, Jake Gyllenhaal alugava um filme manhoso no clube de vídeo e via-se a si próprio no filme. Em Censor, o filme de estreia de Prano Bailey-Bond, Niamh Algar é uma censora que trabalha para o audiovisual britânico que, num filme de terror xunga, vê retratada a mesma cena que viveu na infância com a irmã e que levou ao desaparecimento desta. Aliás, a própria actriz até é uma dupla também da mana. E o que há de comum entre estes dois casos? Uma cassete de VHS.
De facto, os VHS são o ponto central de Censor, filme de terror mais atmosférico do que seria de prever, tendo em conta o tema. É que o filme roda à volta dos video nasty, uma tendência de cinema exploitation que criou algum buzz no Reino Unido na década de 80 que levou mesmo a uma revisão da lei, para que estes pudessem ser censurados antes de chegarem ao clube de vídeo. Sim, o VHS foi mesmo uma revolução que se fez na forma de consumir cinema a todos os níveis.
É neste ambiente de cinema de série b, que a realizadora Prano Bailey-Bond recria como se fosse um giallo italiano (e aqui Censor faz lembrar Coração Aberto, na forma nostálgica como abraça este imaginário), mas com as cores de Mandy (aliás, a combinação vermelho-azul é a cor de tudo o que é filme hoje em dia), que Censor se desenrola, aproximando cada vez mais as fronteiras entre realidade e ficção. É que o trauma do desaparecimento precoce da irmã continua a marcar a vida da protagonista e, por isso, nem sempre é claro se o que estamos a ver é verdade ou se é apenas um reflexo da sua pouca saúde mental.
Depois ainda há um último terço em que Bailey-Bond atira-se de cabeça à maluquice, como se tivesse estado mesmo a ver o Mandy. A coisa nem sempre é conseguida, mas não se pode acusar a realizadora de não ter tentado algo diferente. Censor pode não ser espectacular, mas é suficientemente original e diferente para merecer um McChicken. Pode é só ser para uma refeição e nada mais.
Título: Censor
Realizador: Prano Bailey-Bond
Ano: 2021