O Meu Burro, O Meu Amante e Eu começa precisamente como terminava Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos. É o final do ano lectivo e a escola onde Laure Calamy dá aulas apresenta um espectáculo aos pais, em que cada turma ensaiou algo para mostrar. Quando Laure Calamy sobe ao palco com um vestido revelador, ficamos logo em guarda, algo se vai passar. E, de repente, os miúdos e a professora atiram-se de corpo e alma a uma versão de Amoreuse, uma canção de letra sugestiva, que deixa os pais em choque.
É abertura perfeita para ficarmos a conhecer a personagem de Laure Calamy, um espírito livre que anda a ter um caso com o pai (Benjamin Lavernhe) de uma das alunas. É também num impulso que ela decide ir de férias para o mesmo sítio que ele e a família: fazer o Caminho de Stevenson, uma espécie de Camiño de Santiago, mas que recria o percurso que, em tempos, o escritor Robert Louis Stevenson fez para espairecer (e para reflectir sobre a sua relação com uma mulher casada, que viria a ser a sua esposa mais tarde – estão a ver a relação?). E Calamy até decide faze-lo de burro, como o próprio Stevenson fez, e que apenas os caminheiros mais hardcore fazem.
Tal como alguém diz às tantas, parafraseando a máxima de qualquer road movie, o que interessa aqui não é o destino, mas antes o caminho. E Laure Calamy vai passar muito tempo sozinha, juntamente com o seu burro Patrick (que, como todos os burros, letra momentos em que é muito fofinho com outros em que é extremamente teimoso), o que permitirá pensar sobre a vida, sobre a relação com um homem casado e sobre o seu futuro. Pelo meio conhecerá outros caminhantes e, claro, cruzar-se-á com a própria família de Lavernhe, que a acompanhará durante algum tempo.
Laure Calamy não é a habitual heroína de uma comédia romântica, já que estas não costumam ser moralmente reprováveis ao grande público, mas esta também não procura a sua aceitação. E é nisso que O Meu Burro, O Meu Amante e Eu tem de melhor, o de procurar um novo modelo para implementar a estrutura da comédia romântica. Existem alguns momentos em que parece que vai tombar definitivamente na comédia de domingo à tarde, mas também isso consegue evitar, às vezes de forma mais involuntária do que voluntária (aparentemente).
No último acto, quando as coisas começam a alterar-se e a personagem de Laure Calamy começa a perceber que também ela necessita de uma mudança, o próprio filme começa a transformar-se lentamente num western: as montanhas das Cevenas começa a dar lugar a paisagens mais abertas que podiam ser as pradarias que John Wayne percorreu sem fim, os símbolos do género começam a estar todos lá (o burro em vez do cavalo, é certo, mas o poncho de Calamy não é inocente) e até a tradução do título em português vai buscar algo de western spaghetti, influenciado pela canção homónima que Dean Martin e Ricky Nelson cantam em Rio Bravo e que marca o fim do filme. O Meu Burro, O Meu Amante e Eu é um filme simpático e levemente esquecível, mas que é simultaneamente um sólido Double Cheeseburger, com alguns pedaços bem passados onde ferrar o dente.
Título: Antoinette Dans Les Cévennes
Realizador: Caroline Vignal
Ano: 2020