Reza a história que Alfred Hitchcock só não realizou este filme por um ligeiro atraso, uma vez que Henri-Georges Clouzot antecipou-se num mero par de horas e comprou primeiro os direitos do romance de Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Anos mais tarde, o mestre vingou-se e realizou A Mulher Que Viveu Duas Vezes, também adaptado de um romance policial da dupla. Por isso, não é por acaso que se diz que As Diabólicas é um dos melhores filmes de Hitchock que não foram feitos por ele.
Antes de ter embarcado nos pseudo-intelectualismos da nouvelle vague, o cinema francês era bem profícuo em filmes macabros de terror. Aliás, Georges Méliès é o autor do primeiro filme de terro de sempre (alguém mencionou La Manoir Du Diable?). Por isso, As Diabólicas é um dos bons exemplos dessa tradição que agora parece começar a renascer, colocando-se ao lado de Os Olhos Sem Rosto como um dos melhores exemplares do género.
Imaginem o homem mais ruim à face da Terra, um homem tão bera que a própria esposa até se tornou na melhor amiga da sua amante para poderem falar mal dele em conjunto. Esse homem é Michel Delassalle (Paul Meurisse), o rígido reitor de uma escola primária e um velhaco para as mulheres. A sua esposa, a frágil Christina (Véra Clouzot), e a sua amante, a emancipada Nicole (Simone Signoret), são as duas faces da mesma moeda, duas mulheres tão atingidas que já não têm sequer forças para se odiarem uma à outra. Por isso, vão-se unir num plano infalível para assassinar Michel, sem que ninguém descubra.
As Diabólicas é um thriller policial bem parecido com A Mulher Que Viveu Duas Vezes e com a sua essência fantasmática, que se tivesse sido feito nos Estados Unidos teria sido um film noir. É ainda um filme extremamente feminino, ou não fossem as protagonistas duas mulheres e logo bem diferentes uma da outra. O que Hitchcock teria gostado de realizar isto… À boa maneira do mestre, o crime de As Diabólicas desenvolve-se sempre por caminhos macabros e, claro, imprevistos, que vão descambar num mind-blowing twist final, que dá sabor à história, mas que é daquele tipo que se pensarmos bem nele chegamos à conclusão de tanta merda para isto? Mais valia terem-lhe logo dado um tiro.
Parentes próximos como A Mulher Que Viveu Duas Vezes ou Psico são filmes com mais momentos altos, mas As Diabólicas é um filme mais consistente e regular. Clouzot é um verdadeiro mestre do suspense e nunca cede à tentação de mostrar mais do que é necessário, fiél à máxima de que a sugestão é bem mais arrepiante do que a realidade. Não existem planos arriscados, travellings arrojados, ou outros truques de realização, mas existe uma sobriedade e uma atenção aos pormenores que fazem de As Diabólicas um filme a manter debaixo de olho constantemente.
Para a posterioridade, além do twist final, ficam as lentes de contacto de Michel e um comissário aposentado da polícia, Michel Serrault, que faz sempre lembrar o Columbo. Sem As Diabólicas não havia Claude Chabrol, a nouvelle vague do terror ou mais um Le Bic Mac, cortesia deste imodesto antro cinematográfico
Título: Les Diaboliques
Realizador: Henri-Georges Clouzot
Ano: 1955