| CRÍTICAS | Mães Paralelas

[O seguinte texto pode conter spoilers]

Antes dos chalupas das vacinas e do covid-19 andarem a colocar-nos todos em perigo, os maluquinhos das teorias da conspiração eram tão inofensivos que se tornavam divertidos. Havia os que acreditavam que a Terra era plana, os do 4G e, os meus favoritos, os da página “Não Troquem os Nossos Bebés”. É que estes, apesar de acreditarem em algo completamente estapafúrdio – os bebés são trocados a nível mundial nas maternidades -, reconhecem não conseguir sequer encontrar uma explicação para o assunto. Absolutamente impagável!

A história de Mães Paralelas, o novo filme de Pedro Almodóvar em que regressa ao universo feminino depois da pausa mais biografia de Dor e Glória, podia quase fazer parte das teorias da conspiração do “Não Troquem os Nossos Bebés”. Se bem que aqui a explicação é bem mais prosaica. Duas mães que se conhecem na maternidade, prestes a terem o seu primeiro filho (Penélope Cruz e Milena Smit) – e que, tendo em conta as circunstâncias, acabam por se tornar amigas – descobrem passado alguns anos que as crianças haviam sido trocadas por engano. Claro que isto é simplificar em demasia o filme. Porque ate chegar aqui muita água há de correr debaixo da ponte.

Trabalhando os códigos do melodrama (ou melhor, da telenovela latina), género em que se move como peixe na água, Almodóvar vai construindo um arco narrativo que parte dessa premissa inicial – duas mulheres diametralmente opostas, uma menor outra mais velha, uma emancipada a outra dependente da mãe, uma a aspirar ser mãe a outra a ter dúvidas sobre a gravidez… -, para explorar coisas sobre o crescimento da personalidade humana perante a educação ou a natureza (ou aquele palavrão que agora está muito, a meritocracia). O seu grande trunfo é que o enredo nunca caminha para onde esperamos e Almodóvar vai sempre divertindo-se em o tornar ainda mais cruel e complicado, entrelaçando ainda mais as relações humanas entre os intervenientes daquela história para que, no final, as decisões sejam duplamente (triplamente? quadruplamente?) mais complicadas.

Quando a panela de pressão já está bem cheia e prestes a estoirar, em que aguardamos a qualquer momento que alguém tenha um meltdown ou que haja sangue derramado (afinal de contas, melodrama que é melodrama não pode ter só o alguidar, tem que ter a faca também), Pedro Almodóvar decide acabar bruscamente o filme. Quer dizer, não é que este acabe literalmente. Mas as personagens resolvem todos os seus problemas e dilemas existenciais com um aperto de mão, ficam todos amigos e Almodóvar repesca o tema do prólogo, para acertar contas com o governo de Mariano Rajoy (e com toda a extrema-direita espanhola). Afinal, o realizador espanhol queria mesmo era fazer um filme sobre o passado franquista e sobre a Lei de Memória Democrática. E nós também queríamos que ele fizesse esse filme, a memória espanhola necessita dele. Só foi pena ter feito outro filme pelo meio, assim ficaram os dois inacabados (quer dizer, este mal foi começado). É certo que era capaz de estar a ver um filme de sete horas sem argumento apenas para ver a Penélope Cruz, mas quer dizer, já vi Double Cheeseburgers melhores com ela.

Título: Madres Paralelas
Realizador: Pedro Almodóvar
Ano: 2021

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