Em France, a personagem de Léa Seydoux, a jornalista rainha da televisão francesa e das audiências, chama-se precisamente… France de Meurs. O realizador Bruno Dumont utiliza Léa Seydoux como um espelho da própria França e a metáfora não tem nada de subtil. Afinal de contas, France é um jogo de espelhos bem assumido e é nessa identificação que a metáfora e a crítica social se faz sentir.
Léa Seydoux é então a Cristina Ferreira francesa, uma jornalista sensacionalista que utiliza o jornalismo em seu favor, numa aproveitamento sensacionalista… algo duvidoso. As sequências em que está no terreno, a entrevistar rebeldes guerrilheiros africanos ou a acompanhar emigrantes na travessia do Mediterrâneo em embarcações mais ou menos frágeis, são as melhores de France, com Léa Seydoux a dispor os entrevistados como se fossem actores e figurantes e a criar uma miss en scene para as suas próprias reportagens. As reportagens televisivas de France de Meurs são mais verité do que o próprio cinema verité e o humor, entre o negro e o absurdo, torna-se mesmo triste de tão real que é.
Até que um dia Léa Seydoux atropela um jovem numa mota e acaba por provar do seu próprio veneno. A imprensa sensacionalista cai-lhe em cima e a jornalista impiedosa vê-se no lugar de presa e não gosta. De repente, há uma inversão de papeis e, sem estar preparada para isso, Léa Seydoux sente-se encurralada. A realidade choca de frente consigo e, de repente, o seu casamento com o escritor Benjamin Biolay e até o próprio filho tornam-se decisões que parecem ter sido erradas.
Léa Seydoux torna-se então numa espécie de mártir de papel, uma anti-heroína que se sente injustiçada e que procura a redenção. Só que a sua falta de noção para com a realidade fazem com que não consiga avaliar correctamente a situação, nem que consiga resolver a sua angústia existencial. Por isso, resta-lhe regressar à televisão e fazer aquilo que sabe fazer melhor.
Bruno Dumont sabe que tem aqui uma personagem que vale o filme e ao ver Léa Seydoux ferrar-lhe o dente parece acomodar-se à ideia de France de Meurs, em vez de lhe dar profundidade e existência. E, por isso, à medida que lhe continua a encher o caminho de armadilhas, também não lhe dá muito mais com que trabalhar. Seydoux faz o que pode, mas a manta de France torna-se curta às tantas e deixa de ser longa o suficiente para lhe cobrir os pés e a cabeça. Não só esperávamos mais de France, como queríamos gostar muito mais deste Cheeseburger, mas Dumont não nos deu mais razões para isso.
Título: France
Realizador: Bruno Dumont
Ano: 2021