| CRÍTICAS | Estigma

Em 1999 todos os filmes que estreavam ou eram tech-thrillers sobre o bug do ano 2000 ou eram filmes religiosos sobre a chegada do anti-cristo. Mas nenhum enfureceu tanto a igreja católica quanto Estigma. No entanto, nunca percebi muito bem se o Vaticano estava chateado por considerar o filme de Rupert Wainwright heresia ou se era por este ser simplesmente uma salgalhada de conceitos contrários.

Estigma começa uma terriola qualquer no Brasil, onde desde que o padre local morreu uma estátua da Virgem começou a chorar lágrimas de sangue. O padre Kiernan (Gabriel Byrne), que trabalha para o Vaticano como caçador de mitos, vai até terras de Vera Cruz para investigar o caso, mas não consegue descobrir qual é o truque. Aparentemente, foi bem mais simples perceber por que é que aquele sobreiro no Algarve cheirava a rosas.

Depois, em Nova Iorque uma jovem ateia a viver os melhores anos da sua juventude (Patrica Arquette) começa a sofrer episódios paranormais, que revelam os estigmas de Cristo – as cinco chagas que levaram à morte de Jesus. Mais uma vez, é o padre Kiernan que é enviado a investigar e, mais uma vez, nada parece explicar racionalmente o caso (se bem que os médicos não parecem ter dúvidas em apontar um grave caso de epilepsia). E o que tem esse episódio a ver com o da aldeia brasileira? Aparentemente nada, mas na verdade tudo, incluindo uma teoria da conspiração gigantesca que vai abalar os alicerces da igreja católica e que envolve os evangelhos agnósticos do Mar Morto.

Não se percebe se Estigma é, neste capítulo, uma salgalhada voluntária ou involuntária. Rupert Wainwright mistura estigmas com possessão(!) e heresia com falsificação(!!) e atira-nos tudo para cima como se nos estivesse a jogar areia para os olhos. A questão é se o faz por desconhecimento real ou por motivos dramáticos e de espectáculo. Na verdade, a resposta não e importante se o resultado for satisfatório. E Estigma consegue entreter durante grande parte, contra todas as expectativas, com a sua economia narrativa de série b.

Além disso, Wainwright tenta esconder o seu baixo orçamento com tudo o que aprende no mundo da música. O realizador começou a sua carreira a fazer vídeos para os nWo e para o MC Hammer, mas vê-se que estudou os (telediscos) clássicos antes de se atirar a Estigma: Like a Prayer, da Madonna, Heart-Shaped Box, dos Nirvana, e Losing my Religion, dos REM. Estigma é assim uma colagem de todas as entradas no catálogo da iconografia católica (daí a fúria fácil do Vaticano), passando pelos filtros estilizados da altura: cores altamente saturadas em tons metálicos, câmaras-lentas gratuitas e muitos inserts rápidos e sobrepostos. E para que o filme fosse ainda mais um espelho do seu tempo, até Billy Corgan, dos Smashing Pumpinks, foi chamado para fazer a banda-sonora.

Estigma poderia assim ser um óptimo filme xunga, com o seu gore despropositado (é a escola de A Paixão de Cristo, de Mel Gibson). Por se levar demasiado a sério, acabamos por desistir dele um pouco depois de meio, ali depois de passar o Cheeseburger e antes de chegar aquela cena irónica em que Patricia Arquette escreve mensagens crípticas em aramaico na parede e diz com voz demoníaca il messaggero non è importante.

Título: Stigmata
Realizador: Rupert Wainwright
Ano: 1999

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