Se tivéssemos que personificar a Revolução dos Cravos numa só pessoa, essa seria Salgueiro Maia. É certo que a revolução foi levada a cabo por muito boa gente, mas Salgueiro Maia, abnegado e altruísta, foi aquele que melhor incorporou os ideais de Abril. Em oposição, por exemplo… às patetices do Otelo.
Salgueiro Maia – O Implicado, o biopic que agora estreia (e que nos lembra, pela enésima vez, que o cinema nacional continua a não presta a atenção que devia à nossa história recente), apresenta-se logo ao que vem: retratar a vida de um dos mais importantes Capitães de Abril em geral e o seu papel na revolução em particular. E começa logo por um dos seus momentos mais icónicos: o discurso sobre “o estado a que chegámos”, que serve aqui como pontapé de saída para a Abrilada.
É o abrir de portas para uma caminhada triunfal, em que a história de Salgueiro Maia (interpretado com distinção por Tomás Alves) regressa ao passado em curtas vinhetas em formato flashback que servem apenas para mostrar um homem praticamente perfeito, de tão íntegro que era. E a cena em que, ainda nos primeiros tempos do exército, se recusa a ver o enunciado de um teste que o colega roubou e insiste em estudar sozinho, torna-o mais papista que o Papa. É por isso que a melhor cena de todo o filme é aquela em que Maia sai pela primeira vez numa picada, na guerra em Angola, e ao abrirem fogo ele paralisa e quebra a chorar, num choque de frente com a realidade. É a única vez em todo o filme que toda aquela carapaça de perfeição, brilhante e resplandecente, abre uma brecha e é nessa fragilidade que o potencial de Salgueiro Maia – O Implicado se revela.
É certo que as cenas da revolução são também sempre emocionantes, afinal de contas quem é que consegue ver o fascismo a cair e não se sentir tocado? Principalmente a cena com o brigadeiro Junqueira Reis, a não aceitar a rendição a Maia e a ordenar a uma soldado que abra fogo. No entanto, já a vimos feitas quase da mesma maneira no Capitães de Abril, esse que continua a ser o filme sobre o 25 de Abril (assim mesmo, com o artigo definido em itálico). Salgueiro Maia – O Implicado serve agora de complemento ao filme de Maria de Medeiros, para ser visto essencialmente nas escolas e, sobretudo, na televisão. É que, apesar de uma reconstituição de época impecável, uma luz óptima e os enquadramentos sempre perfeitos, há muito pouco cinema neste biopic. Não atraiçoa em nada memória de Salgueiro Maia, mas este Cheeseburger não serve para traçar (ou reflectir) sobre a vida do homem, mas antes para ilustrar esse mito.
Título: Salgueiro Maia – O Implicado
Realizador: Sérgio Graciano
Ano: 2022