A edição dos Oscares deste ano deveria ter sido de Flee – A Fuga, o filme dinamarquês que, pela primeira vez na história da Academia, foi nomeado em simultâneo à estatueta de melhor animação, melhor documentário e melhor filme estrangeiro. Mas depois houve um tipo que subiu ao palco para distribuir bofetada e o filme de Jonas Power Rasmussen acabou por cair no esquecimento. Até porque, destas três nomeações, não conseguiu ganhar nenhuma.
É impossível olhar para Flee – A Fuga e não pensar em A Valsa com Bashir e em Persépolis. Primeiro, pela forma – um documentário em forma de animação (se bem que este utiliza pontualmente alguma found footage, para criar contexto), que parece rotoscopia mas não é e que prova pela enésima vez que continua a haver alternativas válidas à animação digital da Pixar e da Disney. E depois pelo conteúdo, já que esta é a história de um refugiado do Afeganistão, que teve que fugir do país depois da guerra nos anos 80 e acabou por passar pelas passinhas do Algarve até ir parar à Dinamarca, muitos anos depois.
É também interessante ver Flee – A Fuga de um ponto de vista histórico e cultural (até porque há algumas equivalência com a actual guerra na Ucrânia, que os media ocidentais teimam em simplificar na habitual dicotomia entre os bons e os maus). Primeiro, porque nos dá uma visão da guerra do Afeganistão do lado oposto do Rambo III. Ou seja, Amin (nome fictício da personagem do filme) teve que fugir depois dos muhajedins tomarem o controlo do país por não se rever naquela abordagem ultra-religiosa. Amin pediu asilo na União Soviética, não por ser pró-russo (para usar uma expressão que agora está muito na moda), mas por ser o único país que não era pró-muhajedin. Mas rapidamente o país colapso e Amin tornou-se emigrante ilegal num país a saque, sem conseguir sair, mas também sem se conseguir legalizar.
Flee – A Fuga é então a primeira vez que Amin conta publicamente a sua história, incluindo ao realizador Jonas Power Rasmussen, amigo de adolescência, e ao namorado, com quem planeia comprar uma casa e começar a construir um futuro a dois. A animação é assim a forma ideal para manter o anonimato, mas também para recriar um tempo e um país que já não existem e do qual não existe propriamente imagens de arquivo. Contudo, a animação nunca permite entrar realmente na história, criando um certo afastamento entre espectador e narrador, algo que também acontece em A Valsa com Bashir e Persépolis. Mas tal como esses a história é tão forte – e, pela enésima vez, a provar que a realidade é sempre pior que a ficção – que isso não é propriamente um problema. É mais um abre olhos para certas coisas que teimamos em ignorar e que se passam mesmo aqui ao lado, na nossa sociedade, e um McBacon que merecia pelo menos levar um Oscar para casa.
Título: Flugt
Realizador: Jonas Poher Rasmussen
Ano: 2021