Os mitos urbanos sempre existiram (até existe um filme de terror homónimo do final do século passado e tudo) e todos nós passámos pelo menos por um fenómeno desses, quer tenha sido uma suspeita carrinha branca, lâminas de barbear nos cinemas ou droga nos cromos da bola. Com o advento da internet, tudo isso não só aumentou, como se tornou global e histérico. Os momos e as baleias azuis das nossas vidas passaram a ser desafios que levam os jovens a colocar a própria vida em risco, mas que depois foi-se a ver e nunca foi nada.
Grimcutty é o filme de terror que pretende explorar esse filão, inspirado precisamente no momo, mas também no slender man (que também já teve um filme dedicado a si). É a história de um qualquer subúrbio norte-americano onde surge online a ameaça de um novo desafio, que leva os jovens a auto-mutilarem-se. Chama-se precisamente Grimcutty e, rapidamente, a histeria colectiva toma conta dos pais, que começam a retirar os computadores aos filhos, a lacrar os seus telemóveis em caixas estanques e a não os deixar ir à escola. Só não se entende é porque o realizador John Ross opta por um monstro que parece o Gru, O Maldisposto. Ou melhor, parece alguém num fato de borracha do Gru, O Maldisposto. Toda a gente sabe que o monstro é sempre uma das partes mais fixes de qualquer filme de terror. Quer dizer, aparentemente toda a gente excepto John Ross…
Lá bem no fundo, Grimcutty é um filme com uma premissa bem interessante. É que este é um daqueles filmes que utiliza o terror como metáfora para explorar outros temas nas entrelinhas. E, como em qualquer slasher que se preze, é dos adolescentes que se trata aqui. Por isso, existe uma distinção bem definida entre os jovens e os adultos, entre vítimas e opressores. Grimcutty é um filme que quer falar dos pais controladores, lembrar que o diálogo e a comunicação entre progenitores e filhos é fundamental e criticar todos aqueles que infantilizam os mais novos, não os vendo como indivíduos capazes de tomar decisões por si próprios (algo que é transversal na nossa sociedade, começando logo pela classe política e como os jovens são encarados nos actos decisórios).
Ou seja, Grimcutty é um filme que quer reflectir sobre os nossos tempos através do recurso aos signos do terror, o que não só é válido, como pertinente. O problema é que fa-lo com os pés, colando tudo com cuspo. Além do monstro de borracha pateta e das representações sofríveis, pouca coisa faz sentido nesta sucessão de plotholes que alguém achou que poderia fazer sentido enquanto filme. Nunca se sabe por que surge essa entidade paranormal chamada Grimcutty quando os pais exageram na protecção dos filhos, sabe-se que foi uma mãe blogger (o pior tipo de gente na internet…) que começou a tendência, mas nunca se percebe como e, no final, tudo se resolve à base do não sei e do porque sim.
Na verdade, Grimcutty tinha tudo para ser um grande filme, mas falha redondamente. Ficamos então à espera de um remake feito por alguém competente, uma vez que há aqui muita coisa para afincar o dente (algo na onda do Vai Seguir-Te, que tem o mesmo feeling). Mas, curiosamente, Grimcutty também nem consegue ser o desastre anunciado que nos é prometido, num daqueles clássicos casos do tão mau que se torna bom. Por isso, o Happy Meal é apenas pelo punhado de boas intenções.
Título: Grimcutty
Realizador: John Ross
Ano: 2022