Fazer um filme como A Mulher Rei, especialmente nos dias de hoje, seria sempre uma tarefa ingrata, tendo em conta a quantidade de armadilhas no caminho que teria de evitar. Por um lado, há todos os grunhos que dizem coisas bestiais como “então e as histórias dos homens brancos, já não podem ser contadas?” ou “os reinos africanos também traficavam escravos”. Mas com esses podemos nós bem. O mais difícil seria mesmo fazer um filme sobre a história africana, conseguindo escapar ao ponto de vista eurocentrico. E a verdade é que A Mulher Rei colocou completamente o pé na poça. O pé? Foi mesmo a perna toda.
A Mulher Rei conta a história do reino de Daomé, um dos mais poderosos de todo o continente africano no século XIX, que contavam com um temível exército de mulheres guerreiras – as ahosi. Finalmente Hollywood vira a agulha para contar a história de outras latitudes normalmente ignoradas, pelo menos fora do estereótipo racista, aumentando assim a representatividade no grande ecrã. A isso, uma salva de palmas. O problema é que o filme opta por colocar todos os actores a falar com carregados sotaques americanos, que faz com que A Mulher Rei se torne quase insuportável. Que raio, parece um daqueles filmes sobre a Segunda Grande Guerra, em que os nazis falam sempre inglês com forte sotaque.
Fora isso, A Mulher Rei segue a estrutura convenciona (até demais, diga-se) do blockbuster americano. Aliás, o argumento é tão esquemático que o adivinhamos ainda antes da primeira meia-hora. Apesar de Viola Davis ser a líder e a mais feroz das ahosi (se bem que, apesar dos esforços para ser a líder badass que a história pede, não se pode dizer propriamente que seja um resultado conseguido – alguém pode ir buscar outra vez a Grace Jones?), é Thuso Mbedu a grande protagonista do filme. É ela que é oferecida às ahosi pelo pai por recusar os casamentos arranjados – o que faz com que, além de ser etiquetada com o apelido de “indomável”, também não sirva de nada para o pai, que só quer mais mãos de trabalho e uma fonte de rendimento na família – e que, depois de uma primeira parte em que vai treinar duro, se transforma na guerreira mais promissora do seu exército.
Pelo meio ainda se apaixonará por um esclavagista português (Jordan Bolger que, apesar de (tentar) falar portugês, tem um sotaque medonho), na enésima variação da história da Pocahontas (e vem aí a sequela do Avatar, não é?). Além disso, Bolger até tem origem Daomé e, por isso, também tem de lidar com problemas de identidade, em mais um lugar comum previsível. Por isso, A Mulher Rei não falha um único cliché: o treino do herói, os traumas do passado que clamam por vingança, o boy meets girl (ou girl meets boy, neste caso) e, claro, a grande batalha final como momento de redenção e de espectáculo (em doses iguais). A diferença é que aqui há a mensagem feminista também. Tudo pesado, ponderado e comparado não deixa de saber claramente a pouco. O Happy Meal não era, de longe, o que tinha reservado para o filme. Até porque tudo o que tenha a Angélique Kidjo merece sempre mais.
Título: The Woman King
Realizador: Gina Prince-Bythewood
Ano: 2022