No final do século passado houve uma febre em Hollywood por filmes-catástrofe. Com o aproximar do final do milénio, com a ameaça do bug do ano 2000 e, claro, com a profecia Maia a anunciar o armagedão, o grande público mostrou-se ávido por filmes que apregoavam a destruição do planeta Terra (ou dos Estados Unidos, que em Hollywood significa mais ou menos o mesmo), não importava qual a ameaça: tremores de terra, invasões alienígenas, asteróides desgovernados, tornados e… vulcões.
Em 1997, Hollywood combinava esse fascínio pelos filmes-catástrofe com outro fenómeno muito próprio: o dos filmes duplicados. No mesmo ano – e no espaço de poucos meses – estreariam em sala dois filmes muito semelhantes, sobre a erupção inesperada de um vulcão que ameaçaria as vidas de todos os que vivam nas imediações. Vulcão não foi o primeiro a estrear, mas foi o que mais expectativas gerou. Afinal de contas, tinha um orçamento bem mais elevado do que o do seu primo, O Cume de Dante, e… mais nada, só isso bastava.
Como todos os filmes-catástrofe, Vulcão começa com um apanhado de imagens banais num dia ordinário de Los Angeles: carteiros a distribuir a correspondência, engravatados a caminho dos enormes edifícios de escritórios, mães a levar os filhos à escola e Tommy Lee Jones a preparar o pequeno-almoço da filha. Tommy Lee Jones é tipo o comandante da protecção civil e, por isso, quando há um tremor de terra, lá vai ele a correr para o posto de trabalho. Mesmo que Los Angeles esteja sobre uma ilha teutónica considerável e os sismos sejam mais comuns do que notícias sobre o Cristiano Ronaldo no Catar.
Toda a gente sabe como é que a coisa corre. Há de haver algures um cientista que há de alertar para o facto de algo não estar bem, que neste caso é Anne Heche, depois da colega asiática cair dentro de um fosse de magma incandescente (mais tarde há de prever que a lava irá escorrer rua abaixo e não rua acima e toda a gente ficará pasma(!)), mas obviamente que todos a vão ignorar até haver um vulcão na realidade a expelir cinza e lava no centro da cidade. Mas esperem lá, alguém falou de um vulcão? É que, apesar do título do filme ser exactamente esse, não existe propriamente um vulcão no filme. Na maior parte das vezes o que há é magma a escorrer, especialmente no subsolo. Por isso, para um filme chamado Vulcão, acusa-lo de publicidade enganosa não seria ultrajante.
Vulcão há de se esforçar por pisar todos os clichés do género, começando logo pelas personagens que são sempre mais arquétipos do que outra coisa. Tommy Lee Jones é profissional como sempre, mas enquanto anda a correr de um lado para o outro, tem o colega Don Cheadle no escritório, que serve apenas para sublinhar a traço grosso as emoções que nós, espectadores, deveremos expressar em cada cena. Horror quando a cidade explode, entusiasmo quando Tommy Lee Jones salva alguém, risada quando o chefe liga constantemente para Tommy Lee Jones mas este mete-o sempre em espera com uma desculpa esfarrapada, drama quando alguém morre… Aliás, Vulcão não só tem um bodycount elevado, como é inesperadamente cruel. Especialmente a morte de John Carroll Lynch, que há de derreter na lava de pé, enquanto faz thumbs up com as mãos.
Seguindo a máxima de combater o fogo com o fogo, Vulcão há de apostar tudo numa cena final em que, para deter a destruição da cidade, Tommy Lee Jones ordena mais destruição, com a demolição de um arranha-céus recém erguido. Esse prédio está relacionado levemente com a personagem de Jacqueline Kim, uma médica que há de representar todos os profissionais de saúde e de socorro que, de forma altruísta e abnegada, acorrem às situações de calamidade. Vulcão prestava tributo a todos os bombeiros e afins 4 anos antes do 11 de Setembro, com algumas cenas que são premonitórias, com toda a gente coberta de cinza.
A grande vantagem de Vulcão é que fun, fun, fun. O filme leva-se tão a sério na sua ideia de criar excitação que se transforma num espectáculo involuntário de maus diálogos, citações de anúncios de televisão dos anos 90, efeitos-especiais fajutos e, claro, a inevitável cena em que um Jack Russell se salva na hora h, para suspiros aliviados dos espectadores. No final, Tommy Lee Jones ainda tem tempo para sacar a miúda gira, Anne Heche, mesmo que o alerta das réplicas que vêm a caminho esteja dado. Demasiado tarde, provavelmente alguém acreditou que haveria uma sequela e logo teriam tempo para se preocuparem com isso. Para já, Vulcão termina em direcção ao pôr-do-sol com a sensação de trabalho concluído, um McChicken no bolso e uma hora e mai de diversão camp garantida.
Título: Volcano
Realizador: Mick Jackson
Ano: 1997
Depois de saberem que ia estrear um filme com uma premissa semelhante – nesse caso, o acima citado Vulcão -, os produtores de O Cume de Dante cerraram fileiras e anteciparam a estreia do filme para que chegasse primeiro às salas. Afinal de contas, O Cume de Dante estava a correr por fora, já que tinha um orçamento mais baixo e, como tal, seria à partida o underdog desta competição. O truque resultou e o filme foi um sucesso de bilheteira, ao contrário de Vulcão, que derrapou nos números. Só que O Cume de Dante é bem pior nesta luta de erupções vulcânicas.
A estrutura de O Cume de Dante é muito semelhante à de Vulcão (não é a de todos os filmes-catástrofe?): junto a um vulcão adormecido – o que dá título ao filme -, estranhos sinais começam a dar mostras de que uma catástrofe está para acontecer: árvores mortas sem explicação, animais esturricados e lagoas a ferver. O maior especialista da área do país (Pierce Brosnan) é chamado e, apesar dos alertas, poucos estão dispostos a ouvi-los. É que na pitoresca cidade homónima no sopé do vulcão celebra-se a conquista do título de melhor cidade para se viver nos Estados Unidos, categoria menos de 20 mil habitantes. E como já vimos em Tubarão, esse filme que inaugurou o conceito moderno de blockbuster, o turismo tem muita força, mesmo perante ameaças naturais mortíferas.
Quando o vulcão começar a expelir lava, a terra a tremer e o magma ameaçar destruir tudo na sua passagem até ao oceano, Pierce Brosnan irá aliar-se à jovem e atraente presidente da câmara local, Linda Hamilton, para enfrentarem uma série de clichés: uma avó teimosa que se recusa a abandonar a cabana no meio da floresta, os filhos teimosos que nunca param quietos no sítio e até o cão deles que, depois de desaparecer e de toda a gente imaginar moto e queimado, haverá de ressurgir em modo triunfal. Não é que em Vulcão houve exactamente uma cena semelhante com um cão?
Normalmente, O Cume de Dante é visto como a versão mais realista dos filmes-catástrofe com vulcões de 1997, enquanto que Vulcão é a versão espectáculo e exagerada. Normalmente quem diz isto é quem não se lembra da cena em que Pierce Brosnan conduz um jipe sobre um mar de lava a escorrer, com os pneus a arder(!). Priceless! O Cume de Dante pode não ter tantas cenas de cidades a explodir – também as tem – e um bodycount mais baixo – mas também o há -, mas em termos de patetice não fica propriamente atrás do seu rival.
A diferente entre O Cume da Dante e Vulcão é que este é mais contido e… sério. Aliás, até começa com um prólogo há uns anos atrás, em que Pierce Brosnan e a mulher, a segunda maior especialista em vulcões do país, fogem de um que começou a expelir lava na Colômbia, com esta a terminar morta na fuga, atingida na cabeça. Emotional damage! Linda Hamilton ajudará assim Pierce Brosnan a ultrapassar esse trauma, se bem que este nunca mais haverá de ser chamado à conversa. O Cume de Dante é mais sisudo e, como tal, o seu nível de destruição é relativamente menos divertido do que o de Vulcão. O que é o que realmente procuramos num filme-catástrofe. Por isso é que neste duelo muito específico, O Cume de Dante sai derrotado, com um Double Cheeseburger. É pela margem mínima, meus amigos, por isso não fiquem muito arreliados aqui com o comité de decisão.
Título: Dante’s Peak
Realizador: Roger Donaldson
Ano: 1997