O termo neo-noir, que serve para descrever os filmes que actualizam o film noir para os dias de hoje, é muitas vezes mal empregado. Por exemplo, um filme como O Bom Alemão ou como Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas não é propriamente um neo-noir, mas antes um noir a cores, feito nos dias de hoje. O neo-noir devem ser antes aqueles filmes que utilizam a mesma estrutura e estilo do film noir clássico, mas com os temas e com o conteúdo formal adaptado à contemporaneidade. Por exemplo: Chinatown (claro) ou Crime em Hollywood.
Na verdade, nos últimos tempos até têm surgido vários neo-noirs que correspondem bem a esse rótulo, trocando o preto e branco das sobras bem recortadas pelos néons a piscar. No entanto, este texto é sobre Crime em Hollywood, adaptação ao grande ecrã do romance policial de estreia do ex-polícia Charlie Waldo, que procura aqui começar um franchise qualquer. E, como primeiro filme que se preze, tem que começar pela origem do (anti)herói.
Eis então Charlie Waldo (Charlie Hunnam). Conhecemo-lo a viver numa caravana no meio do mato, na companhia de um frango, fiel aos mandamentos do minimalismo, que mandam viver com apenas 100 objectivos. Na televisão passam notícias apocalípticas da crise ambiental… não podia ser mais apropriado. Waldo, com toda a sua nonchalant, recebe de seguida a visita de uma ex-namorada (Morena Baccarin), que o vem tentar convencer a aceitar uma investigação para perceber se o famoso actor Alastair Pinch (Melg Gibson) matou ou não a esposa. E é então que ficamos a saber que Waldo já foi polícia, um dos mais promissores até, e que um erro de julgamento num caso o atirou para aquela desprendimento material do mundo em geral. Ao longo de Crime em Hollywood iremos descobrir mais, que ajudarão a terminar o retrato (e a explicar a persona psicológica do (anti)herói).
Contra a sua vontade, Charlie Waldo será então atirado para uma intriga que, como qualquer film noir que se preze, envolve muita gente com esqueletos no armário (incluindo o próprio protagonista), uma femme fatale (Lucy Fry, a educadora de infância da filha de Mel Gibson) e muitos métodos de investigação pouco ortodoxos. Onde Crime em Hollywood tenta brilhar é no rocambolesco das situações, especialmente no rol de personagens que o realizador Tim Kirkby vai espalhando ao longo da história.
Todos os “vilões”de Crime em Hollywood parecem uma versão millennial dos de Hudson Hawk – O Falcão Ataca de Novo, mas mais caricaturais e absurdas. Há Mel Gibson, na versão diva e alcóolica do actor de sucesso, há Method Man enquanto rapper que canta sobre lavar os dentes para as crianças (com motherfucker pelo meio da letra) e mais uma série de gente esquisita que, na verdade, são todos variações do mesmo estereótipo. Aliás, por vezes até parece que estamos a rever cenas que já vimos antes, de tão parecidos que são esses secundários.
Crime em Hollywood é assim um neo-noir que aposta tudo no humor e há anedotas recorrentes que até têm alguma graça (ok, não sejamos exagerados… fazem esboçar um esgar), como a bicicleta que Waldo usa para se deslocar e que não é nada prático num trabalho destes ou o frango roomate. O problema maior é que, na maior parte das vezes, Crime em Hollywood é super-desinspirado, sem nada que não pareça a enésima declinação de um outro filme de polícias ou buddy movie (esse género que, nos anos 80, fazia um filme destes (e bem melhor!) por semana). Mas o pior é mesmo quando Charlie Hunnam tira a barba que não fazia há anos e, em vez do (anti)herói desprendido e uber-cool, passamos a ter um gaiato com cara de bebé. A partir daí perdemos de vez o filme e nem sei como é que chegamos ao final com um Cheeseburger.
Título: Last Looks
Realizador: Tim Kirkby
Ano: 2021