São vários os filmes que encontramos a partir de adaptações de obras de Edgar Allan Poe, ou não fosse este o avozinho da literatura fantástica e de terror. No entanto, o que Os Olhos de Allan Poe faz é ir ainda mais longe e convoca-lo, em carne e osso, para assistir in loco numa história de crime, satanismo e mistério.
Os Olhos de Allan Poe é assim um crime movie ambientado em meados do século XIX, onde um detective de boa reputação (se bem que o álcool começa a intrometer-se no caminho…), interpretado por Christian Bale, convocado pelos Pupilos do Exército lá do sítio para resolver um crime macabro. É que, na noite anterior, um dos cadetes cometeu suicídio, enforcando-se numa árvore das redondezas. Lamentável, mas tendo em conta os problemas de saúde mental junto das forças de autoridade, não necessariamente surpreendente. O problema é que o corpo foi violentado durante a noite, na morgue, e o seu coração arrancado do peito.
Pelo período histórico e pelo tema é impossível não nos lembrarmos de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Contudo, enquanto que o filme de Tim Burton deve mais ao gótico e ao Expressionismo alemão, Os Olhos de Allan Poe é mais soturno e sombrio, quase como se fosse um film noir do século XIX. E, no meio disto tudo, onde entra Edgar Allan Poe? O escritor (interpretado por Harry Melling) é um jovem cadete da academia, bastante… peculiar, que se abeira de Bale no primeiro dia e lhe revela as suas conclusões: o assassino é um poeta. A partir daí, Poe, que já tinha a curiosidade de Bale, passou a ter a sua atenção por completo.
Com uma fotografia de invernal altamente estilizada do japonês Masanobu Takayanagi, o realizador Scott Cooper monta um policial de época, que se estende até às margens do fantástico, deitando olhinhos ao satanismo e a outras práticas mais paranormais, mas que todos sabemos que são apenas distracções. É que Os Olhos de Allan Poe é um daqueles filmes em que todas as personagens que vão sendo apresentadas têm sempre um motivo para querer ver a vítima morta e, por isso, todos são potencialmente suspeitos. E, claro, Cooper não resiste a tentar o twist final, como se fosse um truque de circo: ta-da, desta é que vocês não estavam à espera, hein? Meh, na verdade ninguém precisava dele.
Não existe nada de errado ou mau em Os Olhos de Allan Poe, filme que tem um rol de secundários de luxo: Toby Jones, Timothy Spall, Gillian Anderson, Robert Duvall e Charlotte Gainsbourg. Mas, na verdade, também não existe nada de propriamente memorável. Sólido, eficiente e igualmente monótono. O Double Cheeseburger assenta-lhe bem.
Título: The Pale Blue Eye
Realizador: Scott Cooper
Ano: 2022