The Cured, pequeno zombie movie sensação que continua a passar despercebido a muito boa gente, abre com uma curta mensagem que contextualização todo o filme e para qual não precisamos de mais para ficarmos totalmente convencidos. Em 2017 – ou seja, ainda antes desse novo coronavirus chamado covid-19 -, um novo vírus chamada Maze comeliy a transformar as pessoas em zumbis violentos e sedentos de miolos. O mundo uniu-se e, com mais ou menos esforço, conseguiu controlar a pandemia. Mas se algum se destacou pela negativa foi a Irlanda, que registou o maior número de infectados e de mortos.
Mas há mais. Actualmente a coisa está sensivelmente controlada porque encontrou-se uma cura. Só que há dois senões: o primeiro é que os curados mantêm todas as memórias do que fizeram enquanto eram zumbis – mais um trauma para juntar à discriminação de que são alvo pela sociedade onde procuram voltar a integrar-se; e o segundo é que apenas cerca de 75 por cento dos infectados reage positivamente à cura. Ou seja, o que fazer aos restantes 25 por cento, que continuam a querer comer miolos mais do que tudo na vida e que são uma ameaça constante à paz social?
Apesar de ser uma premissa muito simples e nunca antes vista no género – basicamente, zumbis curados -, The Cured funciona a vários níveis. E são essas diferentes camadas que o tornam tão apelativo. O filme acompanha o processo (ou a tentativa de) reinserção social de Sam Keeley e Tom Vaughan-Lawlor, depois de curados do vírus Maze. O primeiro, apesar de todas as dificuldades, ainda tem a sorte de ter a casa da cunhada (Elliot Page, num dos seus últimos trabalhos antes da transição) que o acolhe com grande tolerância. Mas o segundo não resiste a toda a intolerância, ao abuso dos oficiais que tratam do seu processo e do downgrade profissional a que se vê votado e, por isso, acaba por se radicalizar e juntar-se a uma facção extremista que reclama a Irlanda para todos os curados.
Ou seja, além de todas as questões morais de natureza social, ética e até eugénicas, há também a dimensão política. É que, ao ser um filme irlandês, não conseguimos desassociar The Cured dos troubles do país que marcaram (ainda marcam?) o século XX.
The Cured é assim um daqueles neo-realistas sociais, que podia ter sido realizado por Ken Loach, mas com zumbis (e todas as metáforas que o género comporta). O problema depois é que o realizador David Freyne nunca consegue encontrar o tom certo para explorar estes tópicos. Primeiro porque parece sempre demasiado ansioso para ensaiar a grande carnificina final entre infectados e não infectados, que está latente desde o início. E depois porque o argumento dá algumas guinadas, como se seguisse perdido no seu caminho e fosse necessário recentrar à força a direcção correcta o mais rapidamente possível. Não é que The Cured seja aquilo a que podemos chamar um filme falhado, mas este McChicken podia ser um Royale With Cheese nas calminhas.
Título: The Cured
Realizador: David Freyne
Ano: 2017