E, de repente, o cinema iraniano tornou-se pop. Uma das filmografias mais autorais do mundo saiu inesperadamente do armário (o que, neste caso, será mais correcto dizer que saiu do carro) e começou a flirtar com o cinema de género de raiz anglo-saxónicas. E tudo isso ao mesmo tempo que a população se insurrecta contra o regime extremista religioso, provando que uma revolução nunca vem só.
O cinema iraniano já tinha conquistado a crítica e agora conquistou o público. E a crítica também. Apesar dos temas mais populares, estes filmes n\ao só têm sido êxitos de bilheteira, como têm ganho vários prémios internacionais: A Lei de Teerão, Os Irmãos de Leila ou este III Guerra Mundial, que foi mesmo o candidato do Irão aos Oscares, apesar de não ter tido estreia comercial no país, cortesia da censura das autoridades, num daqueles estranhos paradoxos que provam que a realidade é sempre mais estranha do que a ficção.
III Guerra Mundial é a história de Shakib (Mohsen Tanabandeh), um semi-indigente, que vai vivendo de trabalhos ocasionais e da bondade alheia. A certa altura, Shakib começa a trabalhar na construção dos cenários de um filme de época sobre o Holocausto e, de repente (e com algum humor), as coisas começam a mudar na sua vida. E para melhor. Primeiro, ganha o lugar de um trabalhador da obra que nunca apareceu, ganhando também alguma segurança profissionais. Depois, como são precisos figurantes, troca as ferramentas pelas câmaras. E, por fim, o realizador engraça com ele e escolhe-o para estrelar o filme, no papel do próprio Adolf Hitler.
É uma sucessão (e uma evolução) de eventos inesperada e engraçada, quase como se estivéssemos na presença de um novo Mr. Chance: um tipo meio pontinho que, sem saber ler nem escrever, passa de quase sem-abrigo a estrela de cinema. Por momentos pensamos estar perante uma comédia de enganos, mas III Guerra Mundial ainda tem muito para oferecer.
É que, a partir de meio, o filme ganha um novo rumo. E, quase como um espelho do filme que estão a realizar, a crueldade e a desumanização começa a infiltrar-se nos poros daquela gente. E Shakib, com a sua ingenuidade e pureza, parece ser o único imune a esse vírus, o que vai espoletar um conflito entre ele e os outros, que vai escalar até proporções imagináveis para quem tenha visto apenas a primeira parte de III Guerra Mundial.
É verdade que o facto de III Guerra Mundial ter um filme dentro do filme o remete para aquela tradição de Abbas Kiarostami, de desmontar o aparelho fílmico, mas a sua influência está mais perto do war movie e do thriller de Hollywood. Mas tudo isso com uma vincada personalidade iraniana, num filme que só poderia ter sido feito no Irão. Poderá não ser o melhor exemplar desta nova vaga de cinema persa, mas o seu McChicken demonstra que é um óptimo espécime da mesma.
Título: Jang-e Jahani Sevom
Realizador: Houman Seyyedi
Ano: 2022