O advento dos dispositivos móveis, assim como a democratização das redes sem fios, provocou uma verdadeira revolução silenciosa nas nossas vidas, alterando significativamente a forma como comunicamos, como trabalhamos e até como consumimos. Os smartphones tornaram-se autênticas extensões do nosso corpo e não admira que já não saibamos viver sem eles. Aliás, como é que vivíamos mesmo antes deles?
O smartphone é assim a mais importante invenção da era moderna a seguir à televisão. E, apesar de ser relativamente recente, já nem sequer nos lembramos como é que ele surgiu. E se vos disser que o grande responsável foi o BlackBerry, aquele telemóvel que tinha um teclado muito pequenino e que aparecia nos filmes todos de Hollywood apesar de pouca expressão na Europa? É que esse telemóvel, criado por dois amigos nerds, foi o primeiro a perceber como conseguir utilizar de forma optimizada os servidores da net, permitindo partilhar data e informação em tempo real entre milhares e milhares de dispositivos ligados em permanência.
BlackBerry é o filme que conta essa história, mas que se foca muito pouco na parte científica e tecnológica da coisa. É certo que isso também lá está. A forma como Mike Lazaridis (Jay Baruchel) e Doug Fregin (Matt Johnson, que também se encarregou da realização) batiam constantemente em portas fechadas e ouvidos moucos dos grandes titãs da indústria por serem apenas dois geeks com pouca credibilidade, apesar de terem em mãos um invento revolucionado; a forma como Jim Balsillie (Glenn Howerton), um tubarão da alta finança, agarrou neles e tornou aquela PME na mais valiosa marca do mundo no início deste século; e como um novo telemóvel, sem teclas e com ecrã táctil, chegou para abanar as coisas outra vez. Era o tempo do iPhone e de Steve Jobs.
BlackBerry é, no entanto, um filme sobre a fome pelo dinheiro e pelo poder, a enésima fábula de como a ganância corrompe. E, tal como Ícaro se despenhou depois de querer voar cada vez mais alto, também a BlackBerry acabou por se afundar com uma queda estrondosa, se bem que o capitalismo continua a ter as costas largas e Jim Balsillie tenha conseguido escapar por entre os pingos da chuva.
Matt Johnson filma BlackBerry com uma câmara ao ombro, naquele estilo muito reality tv, como se estivéssemos a ver um episódio de O Escritório. No entanto, o mais interessante é a forma como o inscreve nesta tradição recente dos filmes biográficos auto-depreciativos, em que o Air é provavelmente o mais recente exemplo. BlackBerry é um documento do seu tempo, acerca de um produto que faz parte da memória colectiva e, também por isso, Matt Johnson enche o filme de referências à cultura popular mais geek, do Indiana Jones a memes da internet e vídeos virais do YouTube (lembram-se do vampiro de Waterloo?). Sabem o que também faz parte da memória colectiva? Os menus do McDonalds, como o McBacon.
Título: BlackBerry
Realizador: Matt Johnson
Ano: 2023