Para quem já leu o Drácula, a obra original de Bram Stoker que formou o mito do vampiro moderno, sabe que há um breve capítulo, que conta como é que a criatura foi de barco da Roménia para Londres. É o capítulo 7, apenas um pouco mais de uma dezena de páginas sem grande conteúdo narrativo a não ser o intuito de levar o sujeito do ponto A ao ponto B. Em Drácula, de Bram Stoker, por exemplo, é apenas um apontamento que é despachado em poucos minutos. Mas é precisamente essa a demanda de Drácula – O Despertar do Mal: agarrar nesse capítulo e estende-lo, preenchendo os lugares em branco da narrativa e fazendo dela uma história completa, com princípio, meio e fim. E, já agora, caso o filme tenha sucesso, talvez capitalizar tudo em mais uma trilogia dedicada ao Drácula… Para isso, lá vem a desnecessária e (habitualmente) inevitável cena final, sem qualquer conteúdo narrativo a não ser deixar a porta aberta para mais filmes.
O Demeter, que pega emprestado o nome da deusa grega das colheitas, foi então o navio que trouxe uma estranha e anónima carga de vários caixotes da Transilvânia para a Inglaterra no final do século XIX. O seu capitão é Liam Cunningham e vemo-lo no porto de Varna, na Bulgária, a contratar o resto da tripulação para levar aquelas caixas para Londres. Com a carga vem também um bónus generoso em dinheiro para que partam imediatamente. Os homens nem pensam duas vezes, ignoram os avisos dum marinheiro que foge a sete pés assim que vê o carimbo nas caixas com um dragão e ala, que se faz tarde.
Drácula – O Despertar do Mal (que o título português insiste em tornar num filme de origem) é então o Alien – O Oitavo Passageiro em alto mar, no século XIX. O realizador norueguês André Øvredal, que tem vindo a criar uma interessante e discreta carreira dentro do fantástico desde que se revelou com o muito recomendável mockumentário O Caçador de Trolls, vai então ensaiar um slow burner que vai cozinhar em lume brando, enquanto vai adicionando ao caldeirão os seus pozinhos especiais.
Se, por um lado, é inesperadamente refrescante ver um filme fantástico que não tem medo em colocar uma criança no seu bodycount, por outro é altamente desanimado ver a criatura maligna em momentos de CGI manhoso. Øvredal começa por a mostrar como uma espécie de demónio que se vai transformando no conde Orlok à medida que vai ficando cada vez mais forte, mas o CGI fazem-no parecer uma versão estranha do Gollum.
Depois, André Øvredal também tenta ir revelando a criatura aos poucos e poucos. Primeiro uma cena fugidia que nos faz duvidar dos próprios olhos até à cena final, em que se revela o vampiro em todo o seu esplendor, enquanto dilacera as jugulares dos marinheiros, um a um. Isso ajuda a manter o suspense ao longo de todo o filme, sem necessidade de grandes artifícios, toques narrativos desnecessários ou subplots românticos (apesar de haver uma inesperada mulher a bordo). Há depois o habitual marinheiro que se passa da cabeça, alucinado pela sua paranóia religiosa, ou o capitão que enlouquece depois de ver o filho – a tal criança que mencionei acima – a ser queimado pelo sol em auto-combustão, mas isso são mais efeitos colaterais do que intrigas secundárias.
Sem nunca ser memorável, Drácula – O Despertar do Mal acaba por ser Cheeseburger melhor do que contávamos ao início, não porque não confiássemos em André Øvredal, mas porque sabemos que o Drácula é uma das fontes de inspiração maiores de xungaria que estreia anualmente. Contudo, depois de Renfield, 2023 até foi um ano simpático para o conde Vlad. E agora preparemo-nos para o remake de Nosferatu que aí vem, cortesia de Robert Eggers.
Título: The Last Voyage of the Demeter
Realizador: André Øvredal
Ano: 2023