2023 foi um ano esquisito. Por um lado pode ter sido o ano que marcou o princípio do fim da massificação dos filmes de super-heróis (uma fase que durou tempo demais, disse Jodie Foster). Além disso, teve também filmes novos de gente como Martin Scorsese, David Fincher ou Christopher Nolan (lol). E, mesmo assim, parece que não houve nada de jeito a estrear.
É bem possível que o problema seja meu. Fui pouco ao cinema, a minha dieta foi feita quase à base de serviços de streaming e vi poucos (ou nenhuns) filmes europeus. Também não fiquei fascinado com o díptico do João Canijo, dos nomes acima só o do Fincher me disse alguma coisa e, nesta altura, já só estou à espera de 2024, para ir ver a sequela do Duna, o último do Aki Kaurismaki e, claro, o Pobres Criaturas. Até lá, vamos então aqueles que foram os melhores filmes que vi este ano.
10º Lugar
Saint Omer, de Alice Diop
Baseado no caso verídico de uma emigrante africana que abandonou o filho para morrer numa praia, Saint Omer é uma variação do filme de tribunal num ano cheio de filmes de tribunal (viram o Anatomia de uma Queda?). O mais interessante aqui é, no entanto, o que não é dito (ou, pelo menos, directamente): o racismo estrutural, a saúde mental ou a questão da identidade e de pertença. Há ainda a Nina Simone na banda-sonora, o que são sempre pontos extra, claro.
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9º Lugar
Os Demónios do Meu Avô, de Nuno Beato
A animação portuguesa está boa de saúde e recomenda-se. E, no ano em que, pela primeira vez, uma produção portuguesa chegou aos Oscares e que, por acaso, até era um desenho-animado, estreou também em sala (finalmente!) a primeira longa de animação nacional: Os Demónios do Meu Avô. Quer dizer, já li algures que se calhar não é bem assim, mas isso também não interessa nada para o caso agora. Feito em stop motion (depois de uma abertura em digital), com umas criaturas baseadas no imaginário de Rosa Ramalho e banda-sonora dos Gaiteiros de Lisboa, Os Demónios do Meu Avô está para os desenhos-animados assim como Coisa Ruim está para o nosso cinema de terror: uma história que mergulha forte na nossa tradição folclórica, num argumento clássico de redenção e do eterno conflito entre a cidade e o campo.
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8º Lugar
Renfield, de Chris McKay
O que é que há mais por ano: filmes de vampiros ou filmes com o Nicolas Cage? Esta é uma pergunta com rasteira, já que não é possível responder a isso, mas serve de introdução perfeita a Renfield porque… é um filme de vampiros com o Nicolas Cage. Na verdade, é mais um spin-off do Drácula, a partir do mito fundador da obra de Bram Stoker, só que desta vez não é Van Helsing quem ganha um filme em nome próprio, mas antes Renfield, o eterno ajudante do conde. Só que é em versão comédia descontraída, que aproveita o Drácula enquanto metáfora das relações disfuncionais e da masculinidade tóxica.
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7º Lugar
Farta de Mim Mesma, de Kristoffer Borgli
Tenho um fraquinho por filmes sobre gente com distúrbios… peculiares. E Farta de Mim Mesma assenta que nem uma luva nessa descrição. Não aparecia nada assim desde o Swallow – Distúrbio. Na sua Noruega natal houve críticas a acusarem-no de normalizar o suicídio, mas Farte de Mim Mesma é mais um filme que vem retirar o peso do tabu dos ombros da saúde mental e dos distúrbios obsessivo-compulsivos, ao mesmo tempo que reflecte sobre todas as questões de visibilidade e exposição das redes sociais e de como isso afecta o nosso bem-estar psicológico. E vindo do país onde eles se suicidam aos mil, isso ressoa de outra forma.
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6º Lugar
Os Espíritos de Inisherin, de Martin McDonagh
Esse não conta, já é do ano passado, vai gritar muito boa gente por aí. Não me interessa. Não só estreou em sala este ano em Portugal como eu só o vi em 2023. Por isso, aqui está ele na lista. Até porque é um belo filme sobre a amizade e sobre o absurdo dos conflitos, com a guerra civil irlandesa a ecoar lá em fundo (literal e metaforicamente falando, ou não se passasse o filme numa pequena ilha da Irlanda). Só é pena o realizador Martin McDonagh filmar tudo em registo postal de férias, claramente apaixonado por Inisherin.
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5º Lugar
Great Yarmouth – Provisional Figures, de Marco Martins
No ano em que o grande nome português do cinema foi João Canijo, devido ao Urso de Prata em Berlim (foi só a mim que Mal Viver / Viver Mal parece apenas mais uma repetição dos seus últimos filmes?), foi Marco Martins que me encheu as medidas. Great Yarmouth foi uma espécie de projecto imersivo na comunidade lusa de Great Yarmouth, uma cidade turística britânica onde os portugueses são carne para canhão na precariedade laboral local. Marco Martins cruza o realismo social com kiss kiss bang bang e saca o A Morte de um Apostador Chinês português. Embrulha!
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4º Lugar
Barbie, de Greta Gerwig
O Barbenheimer foi, provavelmente, o grande acontecimento cinematográfico do ano. E aqui neste imodesto tasco foi Barbie quem saiu vencedor. E logo por capote. Uma óptima comédia de Greta Gerwig para todas as idades, mas a apelar aos millenials com cumplicidade, e uma mensagem bonita de podes ser quem tu quiseres e de feminismo (e, consequentemente, uma crítica ao patriarcado e à masculinidade tóxica, que pode fazer muitos homens abrirem os olhos. Quer dizer, esse tipo de homens que precisava de abrir os olhos não vai ver este filme, de certeza). Mojo Dojo Casa House é uma das expressões do ano e o Michael Cera a fazer de Michael Cera devia ser o único papel que ele podia fazer a partir de agora.
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3º Lugar
Infinity Pool, de Brandon Cronenberg
Hey, o Infinity Pool não teve estreia comercial em Portugal, seu bandido, vão vocês acusar. Mas passou no MotelX, por isso não importa, é quase a mesma coisa. Agora mais a sério: era criminoso fazer uma lista com os melhores do ano e não mencionar o Infinity Pool, mais uma trip pelo body horror do Cronenberg mais novo, com Mia Goth, a nova ai-jesus do cinema de terror. Ainda por cima, com a mensagem de comam os ricos, como que a saber precisamente o que nos faz feliz.
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2º Lugar
When Evil Lurks, de Demián Rugna
Este também não teve estreia comercial em Portugal, mas a sério, têm de ver When Evil Lurks. O folk horror tem estado na moda, mas o realizador Demián Rugna leva-o a outro nível, com laivos de body horror e salpicado de gore. Para nos provar que o bom terror chega-nos dos locais mais inesperados, neste caso da Argentina. E sabemos que estamos longe de Hollywood quando o bodycount de criancinhas é elevado e vemos uma delas a ser devorada sem dó nem piedade por um pitbull.
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1º Lugar
Babylon, de Damien Chazelle
O grande ignorado dos Oscares do ano passado foi o filme que mais me fascinou em 2023. É um óptimo exemplar de cinema total, que passeia por vários géneros e celebra o próprio cinema (aquela montagem final…), com um sentido de cinéfila que se estende até aos anos 90 (há, finalmente, uma cena a prestar tributo ao melhor filme de sempre, Pulp Fiction). Eis a enésima prova de como o cinema pode ser redentor.
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