Peter Dinklage, que é a pessoa com nanismo mais popular do cinema actualmente, tem sido bem audível nas crítica ao facto dos “anões continuarem a fazer apenas papéis de anões” no cinema ou no teatro. E basta ver os comentários e reacções do público às suas declarações acerca do recente remake em imagem real da Branca de Neve, da Disney, para perceber como ainda é necessário percorrer um longo caminho até isso mudar. Por isso, Dinklage a fazer uma nova versão de Cyrano de Bergerac faz todo o sentido e mais algum.
Cyrano de Bergerac, escrita em 1897, é a hiperbólica biografia do escritor romântico homónimo, cuja verve, espírito e bravura só eram ultrapassadas pelo tamanho do nariz. Cyrano de Bergerac é uma tragédia amorosa de faca e alguidar, ao bom estilo de Romeu e Julieta, mas em melhor, já que Cyrano vai apaixonar-se pela bela Roxanne, mas a sua própria auto-consciência pela sua enorme protuberância facial levam-no a sofrer em silêncio, incapaz de revelar o seu amor. A mensagem da história é óbvia: a verdadeira beleza é a que está lá dento e o que realmente importa não é o tamanho do nariz, mas sim o de outra coisa… o do coração, claro, o que estavam a pensar, malandros?
Em Cyrano, com Peter Dinklage como protagonista (ele que já ok tinha feito nos palcos, na peça homónima adaptada pela sua esposa, Erica Schmidt), a questão física deixa de ser o tamanho do nariz, mas sim a sua estatura. E isso aproxima a tragédia da história da vida real, já que a suspensão da descrença torna-se mais fácil. É que, ao contrário de José Ferrer (foi o Cyrano no filme de grande sucesso de 1950), de Gerard Depardieu (foi o melhor Cyrano, na versão de 1990) e até Steve Martin (na variação desnecessária de Roxanne), Dinklage não necessitou de usar nenhuma prótese.
A outra grande novidade de Cyrano é ue esta versão é um musical, o que ajuda a sublimar ainda mais as partes trágicas ou a inflamar as partes do romance. As canções, compostas pelos Arcade Fire, são orquestrações opulentas de estádio, bigger than life, que são assim (ainda) mais fôlego a essa dimensão do filme. E se os temas são por norma bons, é quando o realizador Joe Wright deixa os solilóquios e ensaia verdadeiras coreografias que Cyrano tem os melhores momentos. Há uma excelente sequência numa padaria, em que o processo de fermentação e confecção do pão é usado numa bonita metáfora romântica, e há já perto do final a melhor cena do filme, com uma batida marcial nos campos de batalha da guerra com Espanha, que podia muito bem entrar nos cânones do género.
Haley Bennett é uma espécie de Jennifer Lawrence da Wish, mas dá-nos aqui uma óptima e luminosa Roxanne, por quem é fácil nos apaixonarmos e percebermos a dor e o sofrimento de Cyrano. E Peter Dinklage, sem ser propriamente inesquecível, interpreta-o num trabalho claramente pessoal. Por sua vez, Joe Wright faz uma boa recriação de época, mas com uns toques anacrónicos que lhe dão personalidade e o ajudam a libertar-se do espartilho do protocolo, conferindo-lhe maior liberdade formal, especialmente nos momentos musicais. Com. tudo isto, Cyrano, é um filme claramente vencer, mas parece ter havido pouca gente impressionada com este McRoyal Deluxe.
Título: Cyrano
Realizador: Joe Wright
Ano: 2021