Afinal, as declarações de Aki Kaurismäki de que se ia reformar foram manifestamente exageradas. Não só o realizador finlandês voltou com um novo filme, como o fez em óptima altura. Não só Folhas Caídas tem ganho prémios importantes (em Cannes, provavelmente vai sacar também o prémio Lux e foi ainda um dos 10 melhores filmes do ano para o John Waters, que vale mais do que muitos galardões), como acaba de ser o seu maior êxito de sempre de bilheteira. Aliás, na Finlândia teve mesmo mais espectadores do que o Indiana Jones e o Marcador do Destino.
Kaurismäki abandona o tema dos refugiados, que andava a trabalhar desde Le Havre e regressa aos seus filmes do proletariado, se bem que são proletários sem consciência de classe. Por isso, o realismo social de Folhas Caídas é bem difícil do de Ken Loach. Isso não quer dizer que a dimensão humanista do finlandês tenha desaparecido, até porque ela está bem presente sempre que alguém liga o rádio. É que estão sempre a transmitir notícias da guerra na Ucrânia e se as personagens do filme não lhe prestam a atenção não é porque não querem saber, mas porque as suas vidas têm outros problemas que se sobrepõem.
Ansa (Alma Pöysti) é então uma jovem precária, que acaba de ser despedida do supermercado onde trabalha por levar para casa comida fora do prazo que deveria deitar fora. Holappa (Jussi Vatanen) é um operário fabril, que não se consegue manter afastado da pinga. Os dois vão-se conhecer numa noite de karaoke e, a partir daí, vão desenvolver uma relação de encontros e desencontros (mais os segundos do que os primeiros), muito burlesca, feita de um desconforto muito kaurismakesko, que é o mesmo que falar das influências de um Buster Keaton, um Jacques Tati ou um Chaplin… que tem direito a referência directa na bela cena final do filme e tudo. A outra referência directa de Folhas Caídas é ao amigo Jim Jarmusch, quando o par vai ao cinema ver Os Mortos Não Morrem e criticam o próprio filme.
Estamos então no universo muito próprio de Aki Kaurismäki, que é um mundo minimalista, descarnado até ao osso, ficando apenas aquilo que é imprescindível, algures entre o absurdo e a irrisão. Os diálogos são sumidos, até a mise-en-scene é quase rígida e, no entanto, tudo faz tanto sentido quanto o possível. E, pela primeira vez na sua carreira, Kaurismäki mostra um telemóvel, abrindo o seu filme à tecnologia. Se bem que não é um smartphone, é um Nokia 3310, daqueles antigos. E sendo ele finlandês tinha que ser um Nokia, não é?
Não há grandes razões para o sucesso extra que Folhas Caídas está a fazer em termos gerais, porque não há nada neste filme que o realizador não tenha já feito antes. Mais: não só já o fez antes (aliás, diria mesmo que o faz sempre), como já o fez melhor. É certo que as suas soluções narrativas nunca são construídas a partir de truques ou golpes de asa narrativos, mas perto do final há uma espécie de clímax na história que é mais uma graçola do que um sobressalto. Nada que belisque o McBacon, estou só a dizer…
Título: Kuolleet Lehdet
Realizador: Aki Kaurismäki
Ano: 2023