Por muito que a tecnologia avance, continuamos a olhar para uma fotografia gerada por inteligência artificial e a aperceber-nos imediatamente de que é falsa. Na maior parte das vezes nem sabemos bem explicar porquê, mas há algo de sintético nessas imagens que soam sempre a falso. É mais ou menos o que acontece também com os filmes sobre futebol. Por muito que os efeitos-especiais evoluam e se procure encontrar formas de filmar cada vez mais realistas de uma partida de futebol, continua a faltar um filme sobre a modalidade em que os jogos não pareçam encenados e artificiais.
Por isso, mais vale não só assumir a falsidade, mas como exagera-la ao máximo. E, com isso, fazer o maior filme de futebol jamais realizado. Foi isso que Stephen Chow fez com O Ás da Bola, a versão em imagem real dos famosos desenhos-animados japoneses do Tsubasa (que, por sua vez, se inspiravam na vida daquele jogador que é o mais velho de sempre em actividade e que, actualmente, joga em Portugal pela Oliveirense: Kazuyoshi Miura), mas em que os jogadores têm poderes especiais. Quer dizer, não são super-heróis, tipo os da Marvel, mas são shaolins, com as suas técnicas especiais, que no fundo é a mesma coisa.
Isso significa que as partidas de futebol não só não obedecem a nenhuma regra do jogo além de haver uma bola e uma baliza, como também não obedecem a nenhuma lei da física. Os jogadores voam em enormes saltos acrobáticos e os remates têm tanta força que a bola pega fogo, as roupas dos adversários ficam desfeitas em mil pedaços e as barras da baliza deformam-se pela potência. Aliás, nestas partidas de futebol não existe técnica nem estratégia, fintas ou habilidades, apenas remates com a maior potência possível. E o incrível é que isso chega!
A história é fomulaica. Stephen Chow (que além de realizar, estrela também o seu próprio filme) é um entusiasta shaolin que vai sobrevivendo por entre esquemas e trabalhos precários, enquanto não se lembra uma forma de promover o kung fu como solução para uma vida feliz e plena. Certo dia, é descoberto pelo famoso Perna Dourada (Man-Tat Ng), um ex-jogador transformado em treinador, que era o Messi da sua altura, mas que uma lesão o incapacitou para a vida. Chow vai recrutar o resto dos seus irmãos, todos eles falhados na vida (um que fuma que nem uma chaminé, outro que come até estoirar ou outro que… está a ficar careca precocemente), mas shaolins com técnicas especiais, formando assim a Equipa Shaolin, a única capaz de vencer a Equipa do Mal(!) do corrupto Yin Tse pela taça de um torneio qualquer.
Já sabemos quem vai ganhar no fim e, por isso, não existe grande suspense ou build up ao longo de O Ás da Bola. A solução é recostar-nos e apreciarmos simplesmente os saltos, as acrobacias e os remates especiais daquela gente, que redefine por completo o wi-fu. O Ás da Bola surgiu inclusive na ressaca do sucesso internacional de O Tigre e o Dragão, que era um festim de wi-fu, e ultrapassou-o rapidamente para se tornar no filme mais visto de sempre na China e um sucesso internacional à conta dos downloads ilegais numa internet que dava os primeiros passos nesta aldeia global que é o planeta Terra.
Há ainda Wei Zhao, a jovem shaolin que faz os melhores baos doces da cidade e que não só vai ser o interesse romântico do filme, como também passar uma mensagem bonita de que cada um pode ser o que quiser e não ter vergonha do que é. É a habitual mensagem moral das comédias simples como é O Ás da Bola, um filme em que Stephen Chow ainda presta tributo aos filmes de kung fu da sua infância (e até há um sósia de Bruce Lee como guarda-redes, equipamento amarelo e tudo) e aos dos Três Dragões, as comédias de kung fu de Jackie Chan, Sammo Hung e Biao Yuen que, por sua vez, prestavam tributo à comédia física de Chaplin e Buster Keaton. O Ás da Bola é uma salgalhada que tem tudo para correr mal, mas que é uma patetice honesta, bem-intencionada e extremamente respeitosa do legado que homenageia e que, por isso, continua a fazer dele o melhor McRoyal Deluxe de futebol do cinema até à data.
Título: Siu Lam Juk Kau
Realizador: Stephen Chow
Ano: 2001