| CRÍTICAS | A Doce Costa Leste

Quando começamos a ver A Doce Costa Leste existe algo de anacrónico que não conseguimos identificar imediatamente. Na verdade é apenas o granulado da imagem e as cores certas (ou não fosse Sean Price Williams, que aqui se estreia na cadeira de realizador, um dos grandes directores de fotografia contemporâneos), que remetem para um certo cinema independente e livre dos anos 70. Mas, apesar de alguns sinais dúbios, existem telemóveis e cigarros electrónicos à vista, que denunciam logo que o filme se passa nos dias de hoje.

O que continua a ser tão actual hoje como há 50 anos atrás é a angústia existencial dos jovens. Talia Ryder é uma jovem que está em visita de estudo em Washington, mas que está tão aborrecida com tudo que até enjoa. Pouco depois, durante uns copos com os amigos num bar, Talia Ryder acaba a cantar uma bela e doce cantiga a solo e ao espelho. Pensamos que A Doce Costa Leste se vai transformar num musical, mas não, Evening mirror (assim se chama o tema) nunca mais reaparece. A viagem de A Doce Costa Leste vai ser bem mais estranha que isso. E esse solo ao espelho é como se Talia Ryder fosse sugada para o outro lado do espelho e o resto fosse uma estranha viagem alternativa de Alice.

Entretanto, um esquisitóide qualquer invade de arma na mão o bar, a exigir que o levem à cave para desmantelar uma rede de pedofilia (alguém mencionou pizzagate?) e Talia Ryder acaba com Earl Cave na casa autogestionada de ocupas antifas desse e decide não regressar a casa. Talia Ryder vai onde o vento a levar e embarca numa viagem sem rumo, pela costa leste dos Estados Unidos, na direcção oposta aquele movimento fundador norte-americano que é a ida para o oeste e seguindo a máxima dos road movies: o que importa é a viagem e não o destino.

De forma mais ou menos inconsequente, Talia Ryder vai perder-se do grupo de antifas, vai acabar a viver com um supremacistaa branco e meio incel (Simon Rex), vai-se tornar fugitiva da máfia e transformar-se na próxima girl next door quando é contratada para estrelar o novo filme de Ayo Edebiri, terminando tudo num acampamento de terroristas jihadistas com uma estranha obsessão por música techno. Parece esquisito e é. Mas é um estranho diferente, para o qual é difícil nos prepararmos.

Sean Price Williams não obedece a convenções formais ou estéticas e vai baralhando signos, géneros e formas. Há relampejos de animação lá pelo meio, uma câmara sempre muito livre e uma espécie de espírito selvagem que remete para o espírito experimental do cinema da contra-cultura dos anos 60 e 70, que ajudou a dinamitar a Hollywood clássica de então. A Doce Costa Leste limita-se, muitas vezes, a remeter-nos para as mais simples formas de ver e ouvir, enquanto que a temática da Alice do outro lado do espelho torna inevitável a referência a Curious Alice.

A viagem de A Doce Costa Leste é única, mas o facto de parecer ser quase sempre aleatória tornam-na esquecível a médio e longo prazo. Falta-lhe algum objectivo mais palpável, até porque o factor uau nunca é suficiente para deixar marcas. Por isso, a muito aguardada estreia de Sean Price Williams como realizador é um Happy Meal que saiu pela culatra.

Título: The Sweet East
Realizador: Sean Price Williams
Ano: 2023

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