Depois de Pedro Costa, Portugal tem um novo realizador a fazer cinema nos bairros sociais. Só que enquanto o primeiro filma as Fontainhas, no Porto, de fora para dentro, Basil da Cunha retrata a Reboleira de dentro para fora. É que este é um morador do bairro, que vive na Reboleira, conhece aquelas pessoas que entram nos seus filmes, frequenta os mesmos sítios e, por isso, não há nada de favela-chique aqui, realismo social mais ou menos moralista nem tão-pouco documentário.
Manga d’Terra é a terceira longa de Basil da Cunha, mais uma vez filmado na Reboleira, que mais uma vez é ele próprio (o bairro, não o realizador) uma personagem do próprio filme. Existem também temas recorrentes, como a violência policial e as questões da emigração, mas estes surgem mais como elementos que fazem parte do dia-a-dia do bairro do que propriamente como problemas a abordar pelo filme.
O que é um elemento novo em Manga d’Terra é a música. Eliana Rosa, a protagonista, é cantora com experiência e, inclusive, com preciso conquistados em Cabo Verde e é ela que saca o grande momento do filme: no final, numa cena iluminada com neons azuis e vermelhos, Eliana Rosa saca uma interpretação daquelas, numa morna tresmalhada de blues que resume todo o filme numa só canção.
Eliana Rosa há de ter mais momentos musicais durante o filme, mas nunca são propriamente aquela escapismo maravilhoso do musical clássico. É outra coisa. Até porque Manga d’Terra não é propriamente um filme fácil de descrever, não por recusar propriamente rótulos, mas por recolher e misturar signos de diferentes géneros. Eliana Rosa é uma cabo-verdiana chegada ao bairro há não muito tempo e que vai ter que se ver a braços com problemas de integração, com o assédio e com a violência. É uma espécie de luta pelo “sonho português”, caso houvesse tal coisa, da mesma forma que existe aquilo que commumente se convencionou chamar de sonho americano.
Manga d’Terra é ainda um filme de comunidade, sobre um local muito específico, que por vezes nem conseguimos dizer onde fica mesmo. E isso – assim como o facto de ser falado quase sempre em crioulo – ajuda a dar-lhe um ar de objecto novo. É uma espécie de realismo mágico, mas em que esse fantástico é mais de ordem sensorial como parte da percepção da realidade. Manga d’Terra é um óptimo Double Cheeseburger e um dos mais particulares da cinematografia nacional recente.
Título: Manga d’Terra
Realizador: Basil da Cunha
Ano: 2023