| CRÍTICAS | Histórias de Bondade

Ainda Pobres Criaturas não tinha arrefecido e já Yorgos Lanthimos estava a anunciar um filme novo. Histórias de Bondade chega assim sensivelmente 1 ano depois do grande sucesso daquele que era o pior filme do grego até há data, um realizador que fez um interessante percurso indo das margens para o centro. E, talvez a perceber isso mesmo, Histórias de Bondade é uma espécie de regresso às origens de Lanthimos.

Depois de dois filmes a adaptar obras alheias, Lanthimos regressa ao material original, montando um filmes que, na verdade, são três histórias diferentes. Normalmente, os filmes-antologia funcionam quase sempre no papel e raramente na prática, principalmente porque é difícil conseguirem terem uma unidade. Aqui, isso não acontece, não só porque é um filme de um realizador só, mas porque os actores são os mesmos de história para história: Emma Stone e Willem Dafoe, dois habitués recentes de Lanthimos, e o recém-chegado Jesse Plemons , que acaba por ser a grande conquista de Histórias de Bondade. Contudo, não se pense que haja uma linha condutora que amarre as três histórias. Haverá a tendência para tentarmos procurar pontos temáticos em comum, mas o único que é transversal às três histórias é que todas elas não têm nada em comum. Nada? Minto. Há uma anónima personagem, identificada apenas com as iniciais R.M.F., que surgem nas três partes do filme, mas que é mais uma brincadeira do que outra coisa qualquer. Faz lembrar a personagem de Kumar Pallana em Darjeeling Limited, o senhor indiano que está sempre a passar lá atrás, cena sim cena não.

No entanto, Histórias de Bondade representa um regresso de Yorgos Lanthimos às origens na forma como volta a terrenos mais próximos de Canino ou A Lagosta: o absurdo, algum surrealismo e uma crueldade com uns pingos de sadismo. A diferença é que parece faltar a Histórias de Bondade uma espécie de objectivo mais significativo, além de ser esquisito só porque sim. A primeira história é a melhor das três e conta a história de um trabalhador (Plemons), que deixa o seu patrão controlar literalmente todos os aspectos da sua vida: o que faz a cada minuto, incluindo as quecas que dá com a mulher, ter ou não filhos, o que bebe ou come, etc. Crítica ao capitalismo e ao neoliberalismo mais feroz? Pode ser, como também pode não ser. Os segmentos de Histórias de Bondade moldam-se às ideias de cada espectador, já que o filme parece querer limitar o espectador ao mais puro e simples prazer de ver e ouvir, funcionando como uma tela em branco onde podemos projectar as nossas ideias, teorias e associações.

Na segunda história, Emma Stone é uma bióloga que regressa a casa depois de vários dias naufragada numa ilha deserta, mas que o marido recusa aceita-la, jurando a pés juntos que aquela mulher é uma impostora. Paranóia, trauma e saúde mental são algumas hipóteses de temas aflorados aqui, mas com um twist final que nos tira o tapete debaixo dos pés. No entanto, é o segmento que tem o momento mais desconcertante de todo o filme: no final de um jantar com os amigos, Jesse Plemons, ainda a fazer o luto pelo desaparecimento da esposa, pede para verem um vídeo e coloca uma sex tape com uma orgia deles todos, que assistem calmamente como se estivessem a ver o Joker, com o Vasco Palmeirim, a seguir ao jantar.

Finalmente, a terceira parte de Histórias de Bondade conta a história de um estranho culto que busca uma mulher messiânica capaz de ressuscitar os mortos. É o segmento mais fraco ou então somos nós que estamos apenas cansados, já que o filme é longo. Contudo, vale a pena ver até ao fim, porque é aqui que Emma Stone vai fazer a dancinha que vimos no trailer e que começa a ser uma imagem de marca dos seus filmes. Na verdade, podemos começar a avaliar os seus filmes pelas suas coreografias. O veredicto deste? Um McBacon.

Título: Kinds of Kindness
Realizador: Yorgos Lanthimos
Ano: 2024

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