| CRÍTICAS | A Mesa de Café

A grande estrela de A Mesa de Café é a famosa mesa Rorret, um modelo pintado em bronze, inquebrável, cuja uma estrutura recria imagem de duas lindas damas, feitas em marfim e revestidas com uma imitação de ouro perfeita. É uma peça de design sueco, ideal para a sala, quarto ou em qualquer parte da casa em que deseje criar uma atmosfera elegante e com classe. Resumindo e baralhando, é mesa de café feia como o raio e é o mcguffin mais descarado da história dos mcguffins.

Jesus (David Pareja) e Maria (Estafanía de los Santos) são um casal que acabaram de ser pais e que não se entendem em relação à decoração da nova casa. Quando A Mesa de Café abre, conhecemo-los numa loja de móveis a discutir em relação à mesa Rorret. Jesus quer leva-la, Maria considera-a feia que nem uma port (como qualquer pessoa de bom senso). É apenas um dos vários focos de tensão, que vão servir para inflamar o resto do filme, que mantém sempre no vermelho os níveis de irritação entre os dois, pelos mais variados motivos.

No entanto, aquilo que faz o filme acontecer surge pouco depois, já em casa e já com a mesa. Abrimos aqui os spoilers, mas o mais certo é já saber do que vamos falar, caso já tenha ouvido falar do burburinho que o filme tem criado junto de um certo nicho de cinéfilos. Aliás, A Mesa de Café chega-nos com o selo de aprovação de Stephen King, que o descreveu como o filme mais negro do ano. E é verdade. Jesus vai ter um acidente com a mesa de café e o bebé acaba decapitado. A cena é terrível, mas vai ficar tudo ainda pior quando Jesus, em choque, decide colocar o corpo no berço e não contar a ninguém.

A partir daí A Mesa de Café vai ser uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento. Desde o momento fatídico que ficamos com o estômago às voltas, mas a coisa vai piorando ainda mais à medida que Jesus não vai tendo coragem para confessar e vai arranjando desculpas para atrasar a grande revelação. Cada minuto que passa é mais um momento de angústia. A Mesa de Café é um daqueles filmes-choque, apesar de não mostrar propriamente nada gráfico – há um bocadinho de gore, mas não chega a ser sensacionalista, o que é de bom tom tendo em conta a temática.

Naturalmente, A Mesa de Café move-se ali numa fronteira ténue entre a provocação e o sensacionalismo ténue. Os limites onde termina um e começa o outro não são claros e impossíveis de determinar, já que dependem muito de cada um de nós. Pelo menos, A Mesa de Café nunca resvala para o gratuito. A sua intenção não é explorar a morte de criancinhas, mas procurar abordar o trauma e a coragem para tomar certas decisões.

Também não é certo que o realizador Caye Casas o tenha conseguido fazer da melhor forma. O espanhol, com uma filmografia feita no terror, utiliza os símbolos do género para construir o build up, que é talvez um dos mais angustiantes da história do cinema, mas nunca consegue encontrar o tom certo na relação algo conturbada do casal. Aquilo que pedia uma química mais screwball acaba por ser quase sempre uma relação mais tóxica, que faz com que depois não seja possível desarmar determinados momentos que monta. Mantemo-nos até ao final, para vermos o momento em que tudo se desmoronará, mais ou menos com a mesma curiosidade mórbida com que abrandamos quando passamos por um acidente rodoviário, mas no final o Double Cheeseburger não é totalmente satisfatório.

Título: La Mesita del Comedor
Realizador: Caye Casas
Ano: 2022

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