| CRÍTICAS | Tetris

Para quem não cresceu nos anos 80 é difícil perceber o fenómeno que foi o Tetris. Não chega dizer que este é um dos mais bem sucedidos jogos de computador de sempre. Não é que não o seja, mas isso é super redutor. O Tetris foi um daqueles fenómenos globais que apaixonou o mundo, tipo… a Macarena. E tudo graças a um jogo altamente simples, sobre blocos que descem e que temos de os encaixar uns nos outros lá em baixo, como um puzzle. Provando pela milésima vez que as melhores ideias são as mais simples, Tetris tinha um trunfo: era um jogo para todas as idades.

Por exemplo, nos anos 90, quando apareceram os Brickmanias – Tetris portáteis, vendidos nas feiras por tuta e meia – e o acesso ao jogo foi (ainda mais) democratizado, na minha casa havia uma máquina dessas que era disputada aguerridamente e a toda a hora por três pessoas: eu, o meu irmão mais velho e a minha mãe. Nessa altura também não havia internet e os mitos urbanos circulavam mais livremente(lol). Por exemplo, eu acreditei que o jogo tinha sido inventado pela Força Aérea norte-americana para o treino cognitivo dos seus pilotos.

Não, o Tetris foi inventado por um russo, em Moscovo, em plena Guerra Fria. E agora há Tetris, o biopic, para contar toda a história, que é ainda mais inacreditável que isso. É que, tendo dito criado atrás da Cortina de Ferro, trazer o jogo para o ocidente tornava-se numa demanda ainda mais difícil. Já viram The Other Dream Team, o documentário sobre os primeiros jogadores de basquete lituanos a jogarem na NBA, que tiveram de mover mundos e fundos para conseguirem dar o salto? Aqui é a mesma coisa, mas com jogos de computador em vez de atletas.

Tetris é então um filme que se insere neste novo género, que é muito um reflexo dos tempos, e que consiste em contar histórias bem-sucedidas de gente banal que alcançou o american dream, mas de uma forma algo auto-depreciativa. São filmes como Air ou BlackBerry que provam por A mais B que a meritocracia é uma falácia e o empreendedorismo tem muito pouco a ver com trabalhar muito e mais a ver com sorte e dinheiro.

Tetris começa então por tentar incutir um ritmo agitado, com muitos intra-títulos e elementos de corte em 8 bits, que são tão desnecessários quanto distractivos, para depois entrar em velocidade de cruzeiro num filme sobre os bastidores das grandes corporações e a burocracia soviética. De certa forma, a sua da ida do Tetris de Moscovo para o mundo é quase um épico kafkiano, que envolve um empreendedor (Taron Egerton) bem intencionado, um magnata sem escrúpulos (Roger Allam a fazer de Robert Maxwell, o pai na vida real de… Ghislaine Maxwell), a União Soviética prestes a colapsar e onde todos procuravam meter a mão onde podias (e, claro, sempre retratada com todos os estereótipos do costume) e a Nintendo. E a Sega. E depois a Atari. E sei lá mais quem.

Tetris também tem um ligeiro travo de feelgood movie, se bem que isso pode ser apenas o efeito nostalgia a funcionar. Na verdade, é precisamente isso que faz carburar este Double Cheeseburger durante a maior parte do tempo.

Título: Tetris
Realizador: Jon S. Baird
Ano: 2023

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