Nicolas Cage é o cabotino favorito de toda a ente, especialmente porque nos últimos anos deixou de ter um filtro nos filmes que escolhe (e que são muitos todos os anos). Por isso, quando se fala da sua carreira, acaba-se invariavelmente a falar dos (poucos) filmes em que provou ser realmente um bom actor. Há sempre alguém que menciona o Inadaptado, outro que aponta o Coração Selvagem, mas aquele que serve para encerrar a discussão de forma unânime é sempre Morrer em Las Vegas. Afinal, este é o filme que valeu a Cage o seu único Oscar.
Esta é a história de um alcóolico inveterado (Nicolas Cage, naturalmente), que depois de se apercebe que perdeu o controle da sua vida, toma a decisão derradeira: vender tudo, mudar-se para Las Vegas e beber até à morte. Pelo meio do processo acaba por conhecer Elisabeth Shue, uma prostituta com um chulo abusivo, que o vai levar para casa. Nem sequer é o síndrome do salvador, porque também há em Shue um certo apetite pela auto-destruição e uma atracção pelo abismo. São antes dois perdedores que, pela primeira vez na vida (ou última, conforme o ponto de vista), encontram um no outro um ombro onde repousar e alguém que fala a mesma língua.
O longo prólogo de abertura dá o mote para Morrer em Las Vegas. Durante uma noite acompanhamos a espiral decadente de Cage, desde a abastecer-se generosamente de álcool no supermercado, importunando mulheres no bar, cravando amigos por dinheiro para a bebida e terminando desmaiado no chão da cozinha. Apesar dos excessos, não há um único momento do filme em que ele vá fully Cage e é precisamente por nunca cair no overacting que sacou o Oscar. Os créditos iniciais só surgem então perto dos 20 minutos de filme, um gesto numa altura em que isso ainda não se tinha tornado numa tendência pseudo-autoral.
O realizador Mike Figgis filma Morrer em Las Vegas com a câmara à mão, em modo guerrilha, nas ruas de Las Vegas sem autorizações. Isso dá-lhe um aspecto de filme independente e dá-lhe também uma crueza in your face que lhe fica bem. Depois afoga-o em jazz e usei remete inevitavelmente para os beatnicks, o que também é pertinente tematicamente falando. E depois monta-o com aquele estilo cocainado dos anos 90, que se tornou norma naquela geração que veio dos teledisco (Figgis é um tipo da música) e isso é que já o deixa um pouco datado.
Contudo, é na forma como conta a sua história, se filtros e com personagens completamente desformadas, que Morrer em Las Vegas nos ganha. Apesar de ser um filme trágico, é uma história de amor. E Mike Figgis, que nunca mais fez nada de jeito, assinava aqui um filme tão romântico quanto os de Wong Kar-Wai, mas sem qualquer pingo de nostalgia. E só por isso já valia o McRoyal Deluxe. Atenção que Morrer em Las Vegas termina com um plano horrível, daqueles que pode arruinar por completo um filme, mas preferi ignora-lo e fingir que não existe.
Título: Leaving Las Vegas
Realizador: Mike Figgis
Ano: 1995