| CRÍTICAS | Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia

Quando falamos de “realizadores malditos” falamos normalmente de um tipo de cineastas cujos estilos cinematográficos se demarcam do resto do cinema, excluindo-se mesmo dele ao adoptarem hábitos considerados auto-destrutivos, inconvencionais ou imorais. E, quando falamos deste conceito, falamos normalmente de Sam Peckinpah, um dos grandes realizadores malditos de sempre.

Tragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia foi o último filme do mestre norte-americano (apesar de haver mais um par de filmes feitos posteriormente que não interessam a ninguém) e, simultaneamente, o seu trabalho mais negro e pessoal. Basta atentar ao facto de ter sido o seu único filme a chegar às salas de cinema com a sua própria edição. Tragam-me a Cabeça De Alfredo Garcia é filme de baixo orçamento, que foi arrasado completamente pela crítica, banido em vários países e que se transformou com o tempo numa obra de culto (e os verdadeiros filmes de culto resultam em outras expressões artísticas de culto, neste caso Bring Me The Rest Of Alfredo Garcia, disco seminal dos sacramentais Flaming Stars).

O filme começa com um tom idílico numa fazenda mexicana, onde o chefe da família – um homem conservador, cristão e mafioso – convoca a sua filha grávida perante toda a família. Depois, pergunta-lhe quem é o pai da criança no seu ventre. Perante a intrasigência da filha em responder, o pai ordena que os seus capangas a torturem cruelmente até que um nome brota dos seus lábios por entre ossos partidos: Alfredo Garcia. E a próxima ordem do pai é bem clara: tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia.

Está lançada uma caça ao homem, mas a câmara de Peckinpah vai centrar-se na empresa de um tipo muito específico: Bennie (Warren Oates), um boémio e nómada tocador de pianos em boates mal frequentadas (uma espécie de Dooley Wilson, de Casablanca, em versão Tijuana), com apetência pela pinga, que vai tentar a sua sorte com uma pá numa mão, uma catana na outra e a sua futura esposa no banco do pendura (a bonita Isela Vega).

Tragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia é o típico filme de Sam Peckinpah, mas com uma inovação: à violência gráfica e crua e ao realismo agreste, junta-se o humor negro. Geograficamente instalado no México, Tragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia é um filme poeirento, sujo e bafiento, rodado por entre o pecado e o crime dos bairros de lata de Tijuana e de outras localidades mexicanas que não aparecem no mapa.

Apesar de descender de filmes como O Tesouro De Sierra MadreTragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia é muito mais importante como percursor da violência estilizada de Tarantino ou dos road-movies mexicanos com um morto a reboque (sim, estou a referir-me a Os Três Enterros De Um Homem). Mas para além desta sua essência formal, Tragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia é ainda um dilema existencial sobre um homem que perdeu tudo (inclusive a sua sanidade mental), como uma longa duração daquela cena de Sin City – Cidade Do Pecado, em que Clive Owen conversa com o cadáver de Benicio Del Toro.

Tragam-me A Cabeça De Alfredo Garcia tem tudo o que nós gostamos num filme: violência desbragada, muita pele feminina, um lamiré de exploitation, campas violadas, cadáveres decepados e acidentes de automóvel a alta velocidade. E ainda termina com um bailado de balas reminiscente de Bonnie E Clyde. Há Royales With Cheeses e Royales With Cheeses… Este é, claramente, um Royale With Cheese (ler com diferentes entoações, se faz favor).

Título: Bring Me The Head of Alfredo Garcia
Realizador: Sam Peckinpah
Ano: 1974

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