| CRÍTICAS | Amarrados

Na verdade, a premissa de Amarrados é algo pateta. Ora vejamos: uma família composta pela mãe (Halle Berry) e os dois filhos (Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins) vive isolada numa casa no meio do nada, porque lá fora aconteceu um apocalipse qualquer e as pessoas transformaram-se todos em criaturas malvadas. Os três estão seguros dentro da casa porque esta está abençoada e podem sair à rua devidamente amarrados a uma corda de vários metros, até ao limite desta. Se largarem a corda deixam de estar protegidos pelo feitiço(!).

No entanto, tudo muda de figura se isso tudo for apenas macaquinhos na cabeça da mãe. Afinal de contas, ela é a única que consegue ver mas tais criaturas malvadas. E, às vezes, aparece lá em casa, à noite, o suposto pai das crianças, a tentar ver os filhos… Essa dúvida, que o realizador Alexandre Aja vai esticando até ao final do filme, faz com que Amarrados não seja afinal o filme que parecia ser ao início. Em vez da ameaça epidémica, que tanto remete para os filmes de zumbis como para a recente emergência higiénico-sanitária da covid-19, Amarrados é mais um filme sobre a saúde mental e sobre o fanatismo religioso.

O facto de viverem desde sempre sozinhos e isolados com aquela mulher delirante, faz com que a vida dos dois rapazes esteja limitada à informação que lhes chega. Por isso, Amarrados é também um coming of age, que faz lembrar algo como Canino, na forma como o crescimento e a formação dos jovens em indivíduos adultos é formatado e influenciado pela realidade truncada a que têm acesso. Por isso, quando um dos miúdos começa a duvidar do que a mãe diz, não só vai ter que enfrentar a sua ira como também a oposição do irmão, que se manterá do lado da progenitora.

Assim, Amarrados é, afinal de tudo, um survivor movie. Primeiro, os três têm que sobreviver ao inverno e à falta progressiva de comida; e, depois, têm que sobreviver à fúria da mãe, que se opõe à saída da casa sob qualquer pretexto. Alexandre Aja, que chegou a ser uma espécie de membro honorário do splat pack (o grupo de jovens cineastas que agitou o mundo do cinema de terror no início dos anos 2000), tem tido uma carreira em que alterna bons filmes com outro proporcionalmente maus. Amarrados é capaz de ser o seu melhor título desde… sempre? e apesar de perder alguma clarividência no último acto, não deixa de sacar o McRoyal Deluxe no final. Perfeito para tirar de misérias a barrigada de fome que Halle Berry, Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins passam durante quase todo o filme.

Título: Never Let Go
Realizador: Alexandre Aja
Ano: 2024

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