| CRÍTICAS | Strange Darling

Ainda nem passaram 5 minutos de Strange Darling e já não temos sequer a certeza de quantos filmes estamos a ver ao mesmo tempo, tal é q quantidade de ideias diferentes que já passaram pelo ecrã. Primeiro começa a preto e branco, com uma cena a preto e branco em POV, em que a voz de Willa Fitzgerald pergunta a Kyle Gallner are you a serial killer, enquanto este parece quebrar a quarta parede e nos olha directamente. Depois há uma mensagem que rola pelo ecrã, lida em voz-off por um narrador, que nos explica que esta é a história de como foi apanhado o assassino em série mais prolífero de sempre dos Estados Unidos. Depois passa a cores e há uma longa cena em câmara lenta, em que Willa Fitzgeral corre pelo meio do campo com a cara em sangue ao som de uma versão lounge do Love Hurts e as personagens são apresentadas, não pelo nome, mas por arquétipos: o Demónio e a Moça. E, finalmente, lá arranca o filme, em gloriosos 35mm (que são anunciados no início de tudo, num intertítulo orgulhoso), com uma perseguição automóvel que tem À Prova de Morte escrito por todo o lado.

Eis o filme de estreia de JT Mollner, o enésimo sucessor de Quentin Tarantino, devidamente apadrinhado pela Miramax. Aliás, Strange Darling é apresentado em 6 capítulos, mas sem linearidade cronológica, como Pulp Fiction. Há aqui carradas e carradas de cinefillia, a maior parte vinda directamente do exploitation, da série b e de vários outros sub-géneros menos respeitosos. Sinceramente, já não há muita paciência para mais um copycat de Tarantino. Além disso, esse lugar parece estar ocupado actualmente por Ti West.

No entanto, não há nada de mal num filme de carros e praticamente todas as perseguições são entretenimento garantido. Por isso, vemos sem enfado esse capítulo, que termina com Willa Fitzgerald, a mocinha, em fuga, a pé, pela floresta, com o Demónio no seu encalço de espingarda em punho. Depois as coisas mudam. Os dois estão a conversar no interior do carro dele, parece que se conheceram numa festa qualquer e as coisas estão a aquecer. É um longo diálogo, daqueles que parecem ter sido escritos por… Tarantino, e que vai dar o pontapé de saída para outra coisa.

Afinal, Strange Darling não é tão previsível e directo como parecia. E um twist a meio vai colocar tudo em jogo, incluindo os papeis de género nos filmes de terror, nos slashers ou nos filmes de serial killers. É um filme em linha com os tempos do #metoo, que utiliza o cinema de género para colocar uma mulher numa posição de força, mas que, voluntária ou involuntariamente, tem o resultado oposto. Strange Darling perpetua os estereótipos que o próprio filme procura combater, reforçando ainda mais o arquétipo da mulher falsa e manipuladora. Um tiro que sai obviamente pela culatra.

Mais interessante é a forma como reflecte sobre o consentimento, outro tema também bem actual. No entanto, esse é rapidamente chutado para canto, à medida que Strange Darling volta a entrar nos domínios do exploitation, das explosões gore sanguinolentas e do slasher. Entretém, consegue ser original qb e até se entende algum do burburinho que criou no meio, mas Strange Darling é bem mais espertalhão do que outra coisa qualquer. Até chega para ser um McChicken que entretém, mas não procurem nas entrelinhas mais do que isso.

Título: Strange Darling
Realizador: JT Mollner
Ano: 2023

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