| CRÍTICAS | Até ao Fim do Mundo

Viggo Mortensen está a começar a fazer a sua transição para realizador e, tanto este novo Até ao Fim do Mundo, como o anterior Falling – Um Homem Só, reflectem um certo porte e solenidade que são iguais aos que associamos a si próprio. Mortensen, conhecido por um ser um rígido actor do Método (são várias as histórias de que, durante a rodagem da trilogia O Senhor dos Anéis, nunca largava a sua espada Andúril – e, curiosamente, esta faz uma aparição em Até ao Fim do Mundo), é um tipo com uma certa nobreza de carácter, que acaba por passar para as suas personagens e, agora, também para os seus filmes. Afinal de contas, estamos a falar do Rei de todos os Homens, não é verdade?

Até ao Fim do Mundo é um western que, apesar de não se furtar a tocar a vários códigos do género, não é bem tradicional. É que, para além de se focar na personagem de Holger (o próprio Mortensen), um solitário e viúvo cáuboi emigrado da Dinamarca, que se torna xerife de um lugarejo e, mais tarde, vai buscar vingança, o filme acaba por ter um outro protagonista que, surpresa!, é uma mulher. Vicky Krieps, que se está a tornar numa das presenças mais singulares da sua geração, vai-se tornar na nova companheira de Mortensen e é, à sua maneira, uma espécie de outra face da mesma moeda. Krieps é uma feminista do seu tempo, sem ser anacrónica como muitas vezes acontece nestes casos, em que se procuram retratar mulheres de força de um passado mais longínquo, mas alinhadas com os valores contemporâneos.

Essa costela feminina de Até ao Fim do Mundo dá uma subtileza específica ao filme, se bem que essa também se sente na sensibilidade da personagem de Viggo Mortensen. E este, na sua cadeira de realizador, não tem pressa para contar a sua história, dando espaço para o filme respirar e para as suas personagens ganharem corpo e profundidade. No fundo, apesar da sangrenta história de vingança, morte e (in)justiça, Até ao Fim do Mundo é um filme sobre as relações e como estas forjam a noção de Humanidade.

Com uma realização muito sóbria e competente, Mortensen destaca-se na forma como monta o filme. É que Até ao Fim do Mundo é uma história não-linear, saltando entre várias realidades temporais (incluindo uma mais onírica de Vicky Kripes, em que esta sonha com um cavaleiro que chega a cavalo numa armadura brilhante e… com a Andúril na mão), mas sem sinais que ancorem as narrativas no seu espaço de tempo. Inicialmente, podemos sentir-nos um pouco perdidos nesses saltos que acontecem sem aviso, mas assim que aprendemos a nos situar, a história torna-se novamente fluída e decorre sem sobressaltos. E, no final do Double Cheeseburger, ficamos com a ideia que Viggo Mortensen parece estar a transformar-se numa espécie de sucessor de Clint Eastwood (o realizador, não o actor).

Título: The Dead Don’t Hurt
Realizador: Viggo Mortensen
Ano: 2023

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