| CRÍTICAS | A Avaliação

A série Black Mirror é já um marco incontornável da história do audiovisual, funcionando como um farol acerca de como a tecnologia influencia e altera a condição humana. Estamos em plena era digital e já não podemos ignorar os efeitos da tecnologia nas nossas vidas. E foi o Black Mirror o primeiro a faze-lo com pertinência, perspicácia e bom gosto. Por isso, actualmente, funciona também como ponto de referência, para tudo o resto que veio a seguir acerca do mesmo tema.

É por isso que olhamos para um filme como A Avaliação e dizemos que podia ser um episódio do Black Mirror. Provavelmente as linhas seguintes vão conter spoilers, mas é impossível analisar de forma eficiente o filme de Fleur Fortune sem entrar em alguns pormenores acerca da sua história. Se não quer correr riscos, então termine a sua leitura neste parágrafo, vá ver o filme e regresse a seguir.

Estamos então num futuro hipotético e, aparentemente, não muito longínquo. A crise climática levou ao Holocausto e a sociedade que restou vive em condições optimizadas. Por isso, o crescimento demográfico é altamente controlado e apenas quem passar por uma apertada avaliação é que poderá procriar. Himesh Patel e Elizabeth Olsen são um casal bem sucedido, que vivem numa casa toda pós-modernista (ela própria vai ser também uma personagem no filme, se bem que sem a preponderância da de Parasitas) – ela é cientista e ele programador digital – que decidem dar o passo seguinte para a realização pessoal: ter um filho. Por isso, recebem a visita de Alicia Vikander, que os vem… avaliar.

A ideia de A Avaliação é boa e o ambiente do filme ajuda. Começa logo por haver qualquer coisa naquela atmosfera muito minimalista que remete de alguma forma para umas ideias higienistas. Além disso, a introdução daquele grão de areia, que é Alicia Vikander, na dinâmica doméstica do casal vem causar desconforto. Afinal de contas, decidir uma questão que é toda ela do foro da intimidade através da burocracia institucional é, desde logo, um pesadelo. Ou seja, A Avaliação tem tudo para correr bem. Só que não.

É que, afinal de contas, Alicia Vikander não veio avaliar coisa nenhuma. Quer dizer, na primeira noite ainda o faz. Enquanto Patel e Olsen se divertem na intimidade, ela mantém-se na ombreira da porta, a… avaliar. É a melhor cena do filme. Só que, a partir daí, ela vai deixar de ser uma avaliadora e passa a ser uma actriz, a fazer-se passar por uma criança birrenta e mimada, levando aqueles futuros pais ao limite, para ver se quebram. Ou seja, não era propriamente essa a premissa do filme, cujo argumento (ou falta dele) não se suporta a si mesmo.

Fleur Fortune vai então tentar ir o mais longe possível, para fazer valer a discussão e a reflexão sobre uma série de temas, criando situações hipotéticas que apenas fazem sentido no papel. E, como se isso não fosse suficiente, ainda prolonga o filme por mais meia-hora absolutamente desnecessária, para garantir que todos nós percebemos a sua mensagem, não vá terem ficado mal-entendidos pendurados. Depois de começar muito bem, A Avaliação é um Happy Meal muito desolador, castigado também por essa carga toda de desilusão.

Título: The Assessment
Realizador: Fleur Fortune
Ano: 2024

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