
A Escandinávia tem uma bela tradição de contos de fadas e nem sequer estou a falar da herança germânica (olá Irmãos Grimm). Afinal de contas, Hans Christian Andersen, campeão do género, era dinamarquês. Por isso, é com naturalidade que vemos um filme como The Ugly Stepsister, que faz uma releitura… peculiar da história da Cinderella, surgir numa co-produção escandinava, especialmente antes que a Disney refaça em imagem real a sua adaptação de 1950.
The Ugly Stepsister conta então uma versão mais ou menos livre da história da Gata Borralheira a partir do ponto de vista da sua meia-irmã feia (e malvada). Fa-lo criando um universo único e peculiar (utilizando a iluminação para replicar os códigos do cinema de terror actual, cheio de azuis e vermelhos) e meio anacrónico (dos aparelhos nos dentes à música muito eighties, cheia de sintetizadores, de quem andou a ver as temporadas todas de enfiada do Stranger Things). The Ugly Stepsister está assim para os contos de fada um pouco como Marie Antoinette está para os filmes históricos.

Num prólogo breve, somos então introduzidos a Elvira (Lea Myren), uma jovem não muito bonita e obcecada pelo Príncipe e por contos de fadas, cuja mãe (uma horrível Ane Dahl Torp, verdadeira vilã da história) acaba de casar novamente com um viúvo. Ainda nem entraram os créditos e já o velhote está a morrer à mesa de jantar, vítima de um enfarte, deixando aquela gente toda na miséria, porque estavam todos falidos e o escondiam. Rebekka assume então na plenitude o papel de madrasta má, remete para a insignificância a sua bem enteada, Cinderella (Thea Sofie Loch Næss), e inicia um processo de embelezamento da sua filha para ver se o Príncipe a escolhe para esposa no baile que está por vir.
The Ugly Stepsister é então esse processo de transformação de patinho feio em cisne de Elvira, se bem que a realizadora Emilie Blichfeldt o faz a partir de uma abordagem altamente grotesca. Há fluídos com fartura, narizes refeitos a escopo e martelo, pestanas falsas cozidas a anzol de pesca, uma ténia que faz Elvira produzir ruídos escatológicos nos momentos mais inconvenientes e dedos decepados a cutelo. The Ugly Stepsister não chega a ser um filme de terror, mas flirta com todos os seus elementos, não admirando que o filme venha a ser amiúde comparado a A Substância.
The Ugly Stepsister faz então o sentido inverso da história da Cinderella. Ou seja, começamos por simpatizar com aquela tontinha e, à medida que se vai embelezando, vai ficando cada vez mais cruel e sem escrúpulos. Em contrapartida, a meia-irmã, que começa por parecer uma diva de nariz empinado, vai começando a ganhar a nossa simpatia à medida que vai sofrendo as agruras da madrasta. É capaz de haver nisto uma mensagem ou uma alegoria qualquer sobre a vanidade da beleza, mas a verdade é que o filme não se preocupa muito com isso, limitando-se a repisar a mesma ideia vezes sem conta, de forma cada vez mais gráfica e bizarra. The Ugly Stepsister vence-nos pelo universo que cria, realista e grotesco, que nos convence a encomendar o McRoyal Deluxe.

Título: Den Stygge Stesøsteren
Realizador: Emilie Blichfeldt
Ano: 2025