| CRÍTICAS | Arizona Dream

Há um excerto bastante interessante de uma análise a esta única experiência hollywoodesca de Emir Kusturica que descreve o filme como uma revisitação pós-moderna da história do cinema, um filme onde o elenco é um espelho do passado, do presente e do futuro da própria sétima arte. Primeiro porque o realizador jugoslavo recupera duas estrelas apagadas, qual Quentin Tarantino – Jerry Lewis e Faye Dunaway – que como fénix, renascem das cinzas. Depois porque apresenta Johnny Depp à personagem de sonhador, que já havia vestido em Eduardo Mãos-De-Tesoura, fato que lhe serve como uma luva. E por fim, porque toma Vincent Gallo como o génio incompreendido – ou egocêntrico presunçuoso – pelo qual é visto através dos olhos da opinião pública. seja como for, Arizona Dream, apesar de ter sido praticamente ignorado nos Estados Unidos, é uma das obras mais interessantes e sólidas da filmografia de Kusturica.

O cinema de autor a que Kusturica nos habituou nas obras posteriores de Era Uma Vez Um País e Gato Preto Gato Branco, para depois repisar em A Vida É Um Milagre, já se encontra em Arizona Dream – há personagens caricatas, situações bizarras, música a acompanhar… No entanto, este é tão diferente dos outros, como o dia o é da noite.

Arizona Dream é uma história sedutora acerca dos sonhos: o sonho com esquimós e um balão de Alex (Johnny Depp); o sonho de vendedor de carros que os empilha até à lua de Leo Sweetie (Jerry Lewis); o sonho de uma vida de amor de duas mulheres que querem voar e que afinal são uma só, a mãe Elaine (Faye Dunaway) e a filha Grace (Lili Taylor); e o sonho de estrela de cinema de Paul Leger (Vincent Gallo). Estes sonhos são cruzados num só sonho, que não pode ser realizado, porque senão deixa de ser um sonho. Só isso pode justificar a tempestade que há entre mãe e filha, que tem tanto de amor como de ódio.

Kusturica realiza uma história imperfeitamente perfeita, um paradoxo justíssimo para explicar este filme numa só palavra. Uma história da vida, de sonhos e desilusões, de ilusões e realidade, que ao bom jeito do realizador jugoslavo, se fundem numa realidade onírica cativante, cheia de simbolismos e metáforas. Às tantas, o realizador entra por caminhos pantanosos lynchianos, mas estamos já tão apaixonados pela história que já nada disso interessa.
Emir Kusturica tem coragem de falar de cactos e de pôr um peixe a voar sob Nova Iorque, como o sentido da vida. Presunção que Vincent Gallo absorveu como influência ou confiança num sonho de filme?

Seja como for, Arizona Dream é uma história bela e filosófica, acerca da vida e da morte. O quinteto de actores, alguns recuperados quando ninguém esperaria, é genial, com o destaque para a alucinada Faye Dunaway. E se a tudo isto aliarmos uma estrondosa banda-sonora do mestre Goran Bergovic (que esteve sempre presente nos melhores momentos de Kusturica) e um divertidíssimo rip-off de Intriga Internacional, ficamos com um delicioso McRoyal Deluxe nas mãos. Para comer e sonhar por mais.

Título: Arizona Dream
Realizador: Emir Kusturica
Ano: 1993

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