Como Esquadrão Suicida correu bem, a Netflix achou que era boa ideia dar carta branca a David Ayer para fazer Bright, o primeiro blockbuster do serviço televisivo de streaming. E mais: ainda o filme não estava pronto e já a Netflix tinha pago para que haja uma sequela.
Claro que David Ayer não se fez rogado e eis Bright, o filme em que cruza Dia de Treino (ou Fim de Turno, o primo não muito afastado do filme de Antoine Fuqua, que Ayer não só escreveu como também realizou) com O Senhor dos Anéis. Estamos então numa realidade alternativa e hipotética, em que os humanos vivem pacificamente (ou dentro dos possíveis) com outras criaturas fantásticas que nos habituámos a ver em filmes de sword and sorcery, como fadas, orcs e elfos.
Essa convivência entre raças serve então como metáfora para com a nossa realidade, com referências mais ou menos directas, como quando Will Smith mata à vassourada uma fada e diz fairy lives don’t matter. Mas é sobretudo na relação entre humanos e orcs, com todo o racismo e segregação latente, que encontramos a principal mensagem do filme. É como Distrito 9 (que, por sua vez, já era como Os Novos Invasores), mas com orcs em vez de extraterrestres. E enquanto esse usava a metáfora para falar da realidade sul-africana, este debruça-se sobre a norte-americana.
Will Smith é um polícia que tem um orc (Joel Edgerton) como parceiro e é na tensão entre eles os dois que se vai desenrolar o fio à meada. Ao contrário dos buddy movies, em que a camaradagem entre parceiros é o principal combustível que faz o filme carburar (seguindo o modelo Arma Mortífera, principal molde do género), a relação entre Will Smith e Edgerton não é propriamente a melhor. E o segundo é duplamente descriminado, já que os orcs também não lhe perdoam o facto de ser polícia e, como tal, contribuir para a repressão e a opressão dos da sua raça.
É isto o melhor de Bright, até porque Ayer domina os códigos do buddy movie como poucos actualmente (não é preciso referir novamente Dia de Treino e Fim de Turno, pois não?). Mas o filme não se fica por aí. Pouco depois, os dois polícias encontram uma varinha mágica, instrumento de possibilidades incontáveis que apenas pode ser manipulada pelos brights e que coloca uma série de gente de reputação mais ou menos duvidosa atrás deles. E é ao entrar pelos caminhos da fantasia que Bright se espalha ao comprido.
É que dá sempre a impressão que David Ayer preocupou-se em demasia com a mensagem social do filme e se esqueceu da parte fantástica. Ou que as varinhas mágicas, a magia e as criaturas só lá estão para justificar a existência de um filme que, na verdade, deveria ser apenas sobre outra coisa. Só isso pode explicar as sequências de acção completamente trapalhonas ou o facto do filme ter Noomi Rapace e desbaratar por completo essa potencialidade. A actriz se tem meia dúzia de falas é muito!
No final, o balanço de Bright é extremamente desequilibrado. Não é que seja um desastre, como o era Esquadrão Suicida, mas sabe sobretudo a desilusão. É que depois de nos criar água na boca, apenas nos serve um Double Cheeseburger para matar a fome.Título: Bright
Realizador: David Ayer
Ano: 2017