Entrar na sala de cinema com a) o peso de saber que se vai ver o último filme do Daniel Day-Lewis e b) a expectativa de que esta colaboração entre Day-Lewis e Paul Thomas Anderson seja tão boa quanto a última (o perfeito Haverá Sangue), não augura nada de bom. Não é justo para o filme que uma pessoa já vá com a cabeça nesse estado. Mas depois ele começa e não me volto a lembrar de nada disso até, 2 horas e 10 minutos depois, ele acabar.
Ainda antes de conseguirmos perceber aonde nos vai levar, o filme deixa-nos hipnotizados logo no início. Eu, se soubesse nomes técnicos da técnica fotográfica e dos usos da luz e dos planos, usava-os todos aqui. Mas não sei. Já na escola secundária também nunca me lembrava dos nomes das figuras de estilo, sabia apenas identificar e explicá-las. Desde o início, entre planos fechados nas caras das personagens, cenas de carro que nunca foram tão bem filmadas e movimentos longos e circulares dentro de uma casa verticalmente gigante, mais parece que somos levados a dançar. É difícil descrever, mas se conseguíssemos agarrar nos planos estilosos do Tarantino e lhe déssemos uma elegância que ele nunca na vida vai conseguir (ou querer) ter, talvez o resultado não fosse muito longe deste. Também aqui a banda sonora leva-nos para dentro das cenas e ajuda-nos a entrar pelo filme adentro como se fossemos levados pela mão.
Depois temos a história. Após ver o filme fiquei curioso e li meia dúzia de coisas que se escreveram sobre ele. Tudo patetices. Fartei-me de ler a expressão “toxicidade masculina” como se fosse boa ideia enfiar um filme deste na agenda que vai estando na moda por estes dias. O filme não é sobre isso. Não é sobre um homem genial que destrata toda a gente à sua volta e sacrifica os outros (sem que eles se voluntariem para isso) em nome da sua arte. Não é um filme sobre um homem microcontrolador capaz do maior dos ataques de fúria por causa do barulho de uma faca a barrar manteiga numa almofada. O filme é, isso sim, sobre um complexo de Édipo muito longe de qualquer resolução. É sobre um homem perdido de amor pela sua mãe e enraivecido com um mundo que não lha traz de volta.
E temos, claro, a representação. Duas actrizes irrepreensíveis e um Daniel Day-Lewis a dizer um adeus verdadeiramente digno e tão brilhante quanto as suas melhores prestações (e assim de repente não vejo um actor que tenha sido melhor do que ele). O costureiro elegante, determinado, áspero, austero, frágil, violento, patético, susceptível e irascível não é tanto uma personagem de Day-Lewis mas uma pessoa propriamente dita. É quando a personagem entra num registo mais absurdo que é verdadeiramente difícil fazer isto e é precisamente nesses momentos mais absurdos que a personagem se torna real.
Linha Fantasma pode não ter a grandeza épica e intensa de Haverá Sangue, mas raios ma partam se não recupera uma certa qualidade de “filme antigo”, uma calma teatral na história e na representação que, mais do que fazer-nos acreditar que aquilo é a realidade, cria uma realidade absolutamente sua na qual nós acreditamos sem hesitar. E se isso não é a marca de um filme magnífico, não sei o que será.
por Diogo Augusto
Título: Phantom Thread
Realizador: Paul Thomas Anderson
Ano: 2017