No outro dia, quando falei aqui sobre Silêncio, escrevi que o som era algo que o cinema de hoje em dia tomava por garantido, esquecendo na maior parte das vezes das regras e dos truques do mudo. Curiosamente, estreia agora mais um filme que parece ter isso em conta. Chama-se Um Lugar Silencioso, tem dividido o público entre os que o amam e os que o odeiam e consta que poderá vir a ser um dos nomeados para aquele novo Oscar para filme popular.
Um Lugar Silencioso arranca logo no dia 89 e, por isso, nunca iremos saber o que se passou na Terra. A única coisa que vamos descobrir – e que é a única que realmente interessa para o filme – é que há uns monstros tão rápidos quanto mortíferos, que têm uma audição super-sensível, capazes de ouvir uma agulha a cair a metros de distância. Têm algumas semelhanças com o xenomorfo e, como podem imaginar, têm muita pinta. Por isso, a Terra está semi-dizimada.
Seguimos então o dia-a-dia da família Abbott (John Krazinski acumula o papel principal com o de realizador, enquanto a sua esposa na vida real, Emily Blunt, faz também de sua mulher, mais os filhos Noah Jupe e Millicent Simmonds, esta última um achado e, tanto em filme como na vida real, surda), na sua vida no campo, onde plantam milho, criam carreiros de areia para caminharem sem fazer barulho e comunicam com linguagem gestual. Um Lugar Silencioso é assim, essencialmente, um filme sem falas e com legendas durante alguns diálogos em linguagem gestual. Dispensava-se era algum uso abusivo da banda-sonora, para manipular uma ou outra cena, mas isso são, de certa forma, somenos.
Metade do filme decorre assim neste ritmo muito observacional, com John Krazinski a jogar com os silêncios, ao mesmo tempo que vai dispondo no tabuleiro algumas peças que vão ser decisivas para o remate final: um prego saído numa escada, um relógio-despertador… Depois acontecem umas coisas, que inclui um parto à Apocalypto, e os Abbott ficam sitiados na casa por uma criatura. Um Lugar Silencioso torna-se assim num survivor movie de monstros, mas sem som. Se em Alien – O Oitavo Passageiro ninguém os ouvia gritar, aqui o mínimo som é a morte do artista.
O grande trunfo de Um Lugar Silencioso é que este não é um filme de monstros. Estes são apenas o veículo para passar uma mensagem de empoderamento e de amor, através daquela fórmula muito usada nos anos 80 com o núcleo familiar tradicional em risco, tanto figurativa como literalmente (olá Spielberg, como estás?). É como Sinais, que pouco tinha de filme de extraterrestres, quando o que interessava mesmo era a mensagem que tinha para passar. Por isso, não vale a pena começar a pensar nas mil e uma perguntas que Um Lugar Silencioso deixa por responder – como é que plantam e colhem milhares de hectares de milho sem fazer barulho? porque é que não vivem junto do mar, onde o barulho da água a correr abafa os sons? porquê, porquê, porquê? -, porque há aqui coisas bem mais interessantes. E uma delas é um belo de um Le Big Mac.
Título: A Quiet Place
Realizador: John Krazinski
Ano: 2018
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