Mais inevitável que o bacalhau na mesa de consoada, são as listas de melhores do ano. Melhores livros, melhores álbuns, melhores maneiras de rolar do sofá para o frigorífico gastando o mínimo de calorias e, claro está, quando nos armamos em cinéfilos o resto do ano, melhores filmes.
Isto é extremamente injusto por três razões. Primeiro, porque me obriga a pensar durante as férias de Natal, quando poderia estar a consumir seja o que for que a SIC anda a mostrar por estes dias. Segundo, porque isto de escolhas é tudo muito subjectivo e eu, que andei a ler as listas de toda a gente antes de escrever a minha, dou por mim no limbo de ter gostado de filmes que muita gente não gostou e de ter achado que certos amados da crítica são um bocado meh. Ou seja, mais um ano em que corro o risco de me estar a armar em hipster e ela nem sequer viu um único filme da Marvel este ano, a snob; por fim, numa altura em que devia estar a deixar o passado para trás e a confiar o futuro aos poderes mágicos das passas de uva, estou aqui a olhar para meses e meses de filmes que não vi por ou ter andado claramente a coçar a micose e a comer séries de alto gabarito intelectual, como aquela em que a Drew Barrymore é um zombie e, claro está, o clássico Aircrash Investigation, ou por me recusar a ver filmes da Marvel. (NÃO, NÃO VOU VER O HOMEM-FORMIGA, JÁ DEI PARA ESSE PEDITÓRIO QUANDO PAGUEI BILHETE PARA VER O BLACK PANTHER)!
Tudo para dizer que bla bla bla, esta é a lista possível, as opiniões aqui expressas são da própria e não do meu empregador (patrão? empresa? O português é uma língua tão complexa) e que, se vierem gritar eh pá, tens de ir ver o Homem-Aranha – No Universo Aranha outra vez ao ouvido, vamos ter problemas. Tomem nota quantos filmes tenho na lista sobre pessoas às quais lhes dá um vaipe e vão numa missão de carnificina antes de se porem a mandar bitaites sobre a minha dieta fílmica.
E, claro que por ordem, que não sou cobarde ao ponto de não organizar as coisas com números atrás, aqui vai o Top 10 dos Melhores Filmes de 2018.
Em número 10… L’animale, de Katharina Mückstein
Para quem não sabe, todos os Dezembros há um festival de cinema todo catita na internet chamado ArteKino, onde 10 filmes, geralmente de origem europeia, são mostrados ao mundo à pala e onde podemos votar nos nossos preferidos. Com a desvantagem que este ano só consegui ver dois e meio antes de vir para o meio do nada, com pouco ou nenhum sinal de 4G (obrigado Furacão Leslie), o filme da realizadora Katharina Mückstein, sobre uma maria-rapaz que passa os dias a andar de mota com um bando de rufias pode não ser a coisa mais avassaladora da minha lista ou do ano – a história é previsível, já a vimos milhões de vezes, etc etc. Contudo, há qualquer coisa em L’animale – quiçá a interpretação de Sophie Stockinger, com toda a gradação de algo raramente retratado no cinema, as angústias adolescentes femininas – que me deixa um quentinho por dentro e me faz feliz de o ter encontrado por acaso quando saí do Netflix sem querer.
Em número 9… Roma, de Alfono Cuarón
O grande preferido dos críticos também está na minha lista, mas um bocadinho mais em baixo do que seria esperado de uma aluna de Estudos Cinematográficos que passou vários meses a levar com Rossellini pela goela abaixo, qual óleo de fígado de bacalhau. Eu gosto muito do senhor Cuarón, e Roma, com o seu preto e branco, planos longos e mise-en-scène austera, lembra imenso um tempo em que os filmes eram oh-tão-melhores-e-o-cinema-está-a-morrer-com-estes-blockbusters-e-sequelas-e-remakes-e-efeitos-especiais. Infelizmente para o Roma, já tinha visto um filme a preto e branco que me lembra os filmes que os meus profs me disseram que eram muito bons e, por isso, é que está aqui para o fundo. Sim, lembra-me a infância (que não passei no México, nem tive uma ama), e uau, falemos de presságios e de mestria narrativa e de como é fantástico termos obras de arte fora dos meios de distribuição habituais (isto é, filmes que ganham prémios em Veneza fora dos cinemas, como se o Berlin Alexanderplatz ou o Decálogo nunca tivessem acontecido, seus snobs de memória curta), mas quiçá, porque o vi durante um coma de açúcar, fica aqui em nono e não digam que vão daqui.
Em número 8… Vendeta, de Coralie Fargeat
O IMDB insiste que este filme é de 2017, mas resolvi ignorar. Mais um filme de uma senhora realizadora (olhem para mim, a ser politicamente correcta por acidente), Vendeta é a primeira longa de Coralie Fargeat e, para mim, um dos filmes mais violentos que alguma vez vi. Não só é a história de uma rapariga “troféu” que – spoiler alert – manda três tipos casados para os anjinhos, numa perseguição de rato e gato em que o rato é daqueles que passou uns mesitos a treinar com espingardas e outras armas de fogo, mas a maneira casual como Fargeat (que também escreveu o guião) destrói estereótipos e recusa usar os mesmos clichés baforentos do género (e para um exemplo de como a história pode correr mal, vide The Bad Batch – Terra Sem Lei), aliada ao carisma e completa badassness de Matilda Lutz como Jen, upa upa, meus caros. A minha misantropia e misandria sentiu-se afagada, aprendi a não ir com um homem casado para o meio das montanhas e vou-me já inscrever numa escola de tiro, não vá o diabo tecê-las.
Em número 7… A Casa de Jack, de Lars Von Trier
Tal como as iscas de fígado, Lars Von Trier não é para todos. Claramente não é para aqueles 100 que saíram a meio deste filme em Cannes ou para aqueles que vomitaram. Há quem diga que gostar dos filmes de Trier denota uma inteligência superior. Eu diria que a única coisa que denota são problemas mentais. Um filme sobre um serial killer realizado por um homem depressivo com um sentido de humor mais negro do que o Abismo seria sempre polémico e divisivo. E quando o compararam com Anticristo (o filme de Trier que mais odeio), fiquei receosa. Mas foram medos infundados. Com o seu ar artesanal, o Matt Dillon a dar tudo (em vão, que ninguém na Academia vai ter os tomates de o nomear, infelizmente), e a manipulação emocional que é a marca de autor do dinamarquês, A Casa de Jack caiu-me que nem um pratinho de arroz doce quente nesta época natalícia, com todas as auto-piadas, referências a armar ao intelectualóide e um epílogo que mostra que o Lars está desertinho para realizar um anúncio de perfumes (e que anúncio seria, meus caros, que anúncio seria). O único momento que tive de desviar os olhos do ecrã foi com o Pato – todas as outras matanças ri-me com gosto. Ahahah. Assassinatos e piadas de Holocausto. Que prenda de aniversário baril.
Em número 6…. Nunca Estiveste Aqui, de Lynne Ramsay
Continuando na onda de filmes desnecessariamente violentos, a nova longa de Lynne Ramsay (mais uma mulher! Estou quase a fazer bingo) passou ao lado de muita boa gente, já que estreou logo a seguir ao rescaldo dos Óscares, quando só queremos lavar a alma com re-runs do Comando. Com Joaquin Phoenix mais uma vez a meter nojo com o bom actor que é (desta vez como veterano traumatizado e paranóico),
Nunca Estiveste Aqui tem os seus laivos de Taxi Driver, claro está, mas é tão mais ambicioso do que o filme de Scorsese que a comparação faz-me parecer uma idiota. Se há um filme que consiga retratar fielmente um estado de mente é este. Vivemos toda a história pelos olhos de Joe, com tudo o que isso implica – até que ponto estamos dispostos a confiar nos olhos e na mente de alguém com tantas cicatrizes emocionais? Pesado nas horas, difícil de ver (claramente a tendência desta metade de baixo da lista), não digam que vão daqui mas não digam que não foram avisados.
Em número 5…. Sorry to Bother You, de Boots Riley
Tendo as distopias como o meu género cinematográfico preferido, mal podia esperar para ver esta pérola de Sundance no grande ecrã. Infelizmente, tenho amigos que me odeiam e que, inadvertidamente, me deram indicações sobre a estrutura narrativa, das quais preferia não ter sabido com antecedência. Anyways. O realizador Boots Riley conta-nos a história de Cassius, o clássico milenar (é assim que se diz millenial em português, Pedro? [Tmbém não sei, Sara]) sem dinheiro, que vive na garagem do tio, arranja um trabalho em telemarketing e vende a alma ao Capitalismo com C grande. Sendo isto uma distopia, tudo é um bocado esquisito, assustadoramente parecido com o presente e, claro está, cheio de comentários raciais. A única razão porque Sorry to Bother You está em quinto não é a sua qualidade intrínseca, mas o facto de que tive vinte e quatro pessoas a dizerem-me que isto ia ser o meu filme preferido do ano, meses antes de eu o ver. Nenhum filme consegue sobreviver a esse tipo de pressão, meus caros. E eu gosto de ser inesperada e guinar para um lado completamente imprevisível no terceiro acto. Tal como este filme. Ups, spoilers.
Em número 4… BlacKKKlansman – O Infiltrado, de Spike Lee
Ainda não consegui decidir-me sobre o que penso sobre o Spike Lee. Por um lado, tende a irritar-me enquanto pessoa. Por outro, fez Os Bons Amantes. E agora, só para me confundir mais, realizou este bombom de filme, que não só tem uma edição que me leva à beira do orgasmo, como é o único filme de 2018 que me conseguiu dar um murro no estômago nos minutos finais (e, quiçá, uma lágrima ao canto do olho). É quase batota vender algo como uma comédia e depois fazer isso, mas bolas, temos de reconhecer talento quando o vemos. Das roupas dos anos 70 até aos momentos com o Klan (onde damos por nós a rir até nos apercebermos que este pessoal é, apesar de idiota, extremamente perigoso), passando pelas piscadas de olho ao presente que deixaram a subtileza na casa-de-banho e acabando no ver o filho do Denzel Washington a encher o ecrã com carisma (algum do qual se pegou ao Adam Driver, estranhamente), BlacKKKlansman – o Infiltrado vai provavelmente ser visto como o Foge de 2018, o que mostrará o quão básicos todos somos quando fazemos listas de melhores filmes na última semana do ano. Enfim.
Em número 3…. Sete Estranhos no El Royale, de Drew Goddard
Julgava que todos gostaram deste filme, mas vejo-o estranhamente ausente das listas, o que claramente significa que lhe vou ter de chamar o meu guilty pleasure. E que prazer. Do elenco até à trama narrativa (pensem no 4 Quartos, mas em melhor), se há um elogio a fazer a este filme é que, durante a maior parte da sua duração, não consegui adivinhar onde é que estava a ir e onde é que raio iria parar. O uso do som, a maneira como nos deita migalhas de informação que nos levam com o nariz contra uma parede, os diálogos (deuses, os diálogos), uau. Como é que isto não está em mais listas, gente. Que raio se passa convosco? Gastaram horas a ver o novo Predador quando poderiam ter visto isto. Pensem nisso. JEFF BRIDGES, FODA-SE. Estão todos loucos. Cambada de plebeus.
Em número 2… Cold War – Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski
Cá está o meu filme a preto-e-branco preferido do ano. Grande fã do Pawel Pawlikowski desde a altura em que ele fazia documentários como o Dostoevsky’s Travels, foi um dos meus filmes mais antecipados do ano e estou feliz por não ter saído desapontada. Nesse sentido, a filmografia do Pawlikowski é a relação emocional de que preciso. Sempre lá à minha espera, com o seu cinismo romântico e sotaque da Europa do Leste, referências históricas que passam ao lado da maior parte dos comuns dos mortais e, claro, a música, sempre a música. Porque o amor também é isto, um bailado de desencontros em que a nossa Alma Gémea não é, de todo, a pessoa certa para nós. Da cinematografia de babar directamente para o chão até o trabalho de actores, eu gosto mais deste do que do Roma porque aqui, o final não foi cobarde. Inchem aí! Chorem! O amor não existe, seus idiotas! Pawlikowski, escreve-me, querido. Sinto saudades tuas.
Em número 1…. American Animals – O Assalto, de Bart Layton
Juro que não foi minha intenção pôr em primeiro lugar um filme que mais ninguém viu/escolheu/achou por aí além, mas sinto que, quanto mais envelheço, menos paciência tenho para estes primeiros lugares de performance. Isto é, colocar em primeiro não o filme que realmente gostámos, mas aquele que gostaríamos de ter mais gostado se gostássemos mais de nós. American Animals – O Assalto foi o filme de que mais gostei em 2018, ergo, está em primeiro na minha lista. É um semi-documentário sobre um heist organizado por quatro tipos que decidiram roubar livros raros da biblioteca da universidade. É o meu filme preferido do ano porque 1) quem nunca teve vontade de roubar livros raros da biblioteca levante a mão 2) mistura documentário com recriação dramática de uma maneira extremamente inteligente e 3) fala de Arte e de querer ser especial e esse é um tema pelo qual tenho um fraquinho. Fiquei com vontade de ver os outros filmes de Bart Layton (pelos vistos O Impostor também é grande malha) e de roubar livros da biblioteca. Infelizmente, foi-me dito que para não ser presa pela comunidade online, tenho de ir ver vários filmes no Netflix, sobre pena de não perceber os memes das próximas semanas.
Menções honrosas (para não acharem que só vi 10 filmes este ano)
O Viúvas. O Thoroughbreds que, apesar de ser de 2017, só vi este ano. Um Lugar Silencioso (mais que o Hereditário, mas tão mais). Three Identical Strangers (perde um bocado o vapor no final, só por isso não entrou no top 10). O último episódio dos The Americans. O videoclip do This is America. O vídeo do Mr. Bubz no youtube. Aquele meme do Distracted Boyfriend. Pinguins.
Filmes que não, ainda não vi, bolas, acham que tenho a vossa vida, mas que se calhar ia gostar.
Mandy. Shoplifters – Uma Família de Pequenos Ladrões. O novo do Godard. O último do Wells. Climax (não por falta de tentar, salvo seja). No Coração da Escuridão. Eighth Grade. O Meu Belo Sol Interior. Zama. O Cavalheiro com Arma. Bisbee’17. Minding the Gap. A Favorita.
Momento cinematográfico mais baixo do ano
Aquele vídeo de Natal do Kevin Spacey. Definitivamente.