Nos anos 90, a música e sobretudo o cinema salvaram a vida da então adolescente Sandi Tan. Numa Singapura tão conservadora que até a pastilha elástica era banida, Sandi Tan encontrou naquelas imagens amigos que finalmente a compreendiam. Pouco depois, conhecia mais um par de amigas com os mesmos gostos e Georges Cardona, um professor tão misterioso quanto enigmático, com quem formaria uma espécie de gangue oficioso.
Santi Tan e os amigos iriam unir-se para realizar Shirkers, um road movie independente sobre uma serial killer, que deveria não só revolucionar o cinema de Singapura, mas também as suas próprias vidas. Mas Georges Cardona acabaria por desaparecer com as bobines para todo o sempre, deixando um buraco por preencher nas almas e na amizade daquelas amigas. E é esse buraco que este documentário vem agora tentar colmatar.
Shirkers é, essencialmente, um trabalho de edição, montado a partir de antigas fotos, home videos, colagens e cassetes audio. Faz lembrar Tarnation pelo método de trabalho, mas também A Toca do Lobo por ser um exercício sobre a memória. Shirkers é também um apurado bricolage caseiro de cinefilia, com o qual a maioria de nós irá criar facilmente alguma empatia.
Mas Shirkers não se fica por aí, porque às tantas dá uma guinada e entra também nos territórios do mistério. É que Georges Cardona é um tipo manhoso e mentiroso compulsivo (o que esperar de um tipo que se parece assustadoramente com o guru do Holy Hell?) e, quanto mais Sandi Tan se debruça sobre as sombras da sua vida, mais esta se torna negra.
No final, fica a conclusão definitiva que o Shirkers original, como foi filmado nos anos 90, está irremediavelmente perdido. Mas em compensação ficamos com este Shirkers em versão documentário, que reflecte sobre um determinado tempo, uma Singapura que já não existe, que vem sossegar algumas almas inquietas, reatar relações que estavam desde então em suspenso e que vale um McRoyal Deluxe. O que, dificilmente, o filme original valeria.
Título: Shirkers
Realizador: Sandi Tan
Ano: 2018