Imaginem que faziam agora um filme com o Cristiano Ronaldo. Não um artsy-farty como o do Zidane ou um daqueles documentários institucionais que entopem o Netflix, mas ficção mesmo. E depois chamavam o Messi, o Zlatan e outros dos grandes nomes do futebol da actualidade para darem uma perninha. Obviamente que seria impossível, especialmente por causa do clubismo.
Mas nos Estados Unidos a coisa é diferente. Acima das rivalidades doentias e obsessivas está o entretenimento. E, por isso, é possível fazer um filme como Space Jam, que tinha como protagonista a maior estrela de todos os tempos da modalidade – Michael Jordan – e ainda se dava ao luxo de convidar mais meia-dúzia de caras famosas para maximizar o investimento (Charles Barkley, Muggsy Bogues, Pat Ewing e até Larry Bird). Era a lei do mercado a encontrar-se com o capitalismo e a terem um filho. E os consumidores a saírem a ganhar.
Space Jam foi ainda um feliz acaso dos tempos. Por um lado, transformava em longa-metragem um popular anúncio televisivo da Pepsi, que punha Michael Jordan a interagir com Bugs Bunny, na tradição do saudoso Quem Tramou Roger Rabbit?; e por outro utilizava para fins dramáticos a pausa de dois anos de His Airness no basquetebol, para ir jogar basebol, ao mesmo tempo que desviava as atenções para esse período da vida de Jordan que ninguém quer lembrar que aconteceu (até porque [teoria da conspiração] toda a gente sabe que essa pausa mais não foi que uma suspensão disfarçada da NBA, por causa das suas dívidas e adição ao jogo).
Esse momento em que a ficção encontra a realidade é mesmo o melhor de Space Jam. O filme começa com uma breve origem do jovem Jordan e passa rapidamente para a sua actualidade enquanto basebolista. Apesar de não particularmente bom (era mesmo muito mau), o público aplaude-o mais do que qualquer outro jogador mesmo quando falha e os colegas não param de o incentivar. He looks good in the uniform, diz um dos colegas. Yeah, you can’t teach that, responde outro.
Até que os Looney Tunes o convocam para o seu mundo, para um jogo de basquetebol decisivo, contra a equipa de um terrível capitalista (voz de Danny deVito): se este ganhar, os Looney Tunes terão que trabalhar para sempre no seu parque de diversões; se perderem, ficarão livres. Assim, Bugs Bunny e companhia recrutam Michael Jordan e os maus roubam os skills a Barkley, Ewing, Bogues, Larry Johnson e Shawn Bradley.
Space Jam é um filme para toda a família, que cruza o niilismo caótico dos Looney Tunes, introduzindo uma nova personagem (Lola Bunny, o actual interesse amoroso de Bugs Bunny) e pondo Jordan a beijar na boca Bugs Bunny, naquela que é uma das imagens de marca do coelho, com o factor uau de His Airness. Nunca há propriamente nenhum golpe de asa que torne Space Jam memorável e animação até pode não ter o nível da Disney, mas uma prova de que é um filme extremamente equilibrado é que, duas décadas depois, continua sem estar datado nem ter envelhecido nada mal.
O realizador Joe Pytka, feito nos telediscos, percebe as suas limitações e faz o que o senso-comum manda fazer: mante-lo simples e sem inventar. Chama o Wayne Knight para colar os fios todos da meada, ainda tem a sorte de poder contar com uma perninha de Bill Murray (antes do hype todo à volta de Bill Murray) e termina tudo com a imagem de marca de Michael Jordan, a voar sobre os centrais (ups, isto era o outro). E isto tudo sem lamber cus ou bajulação em demasia. Veremos se a versão com LeBron James terá o nível deste McBacon.
Título: Space Jam
Realizador: Joe Pytka
Ano: 1996